Pelo Malo
Complexo e Eficiente
É impossível falar de Pelo Malo (Venezuela, 2013), sem lembrar
de Tomboy¹ (França, 2011) haja vista
tratarem ambos os filmes, com imenso destemor, sobre a homossexualidade em meio
a infância. O segundo título, para tanto, se valia de uma delicadeza ímpar,
abordando o tema com o zelo que os personagens e a história exigiam, ao passo
que o longa-metragem venezuelano expõe-se e arrisca-se mais pelo terreno minado
que o assunto representa na medida em que por vezes opta por não ser tão sutil,
ainda que isso não implique num tratamento agressivo da questão.
Neste sentido, a obra da
diretora Mariana Rondón contextualiza a identidade sexual do personagem principal que de todas
as formas tenta alisar os próprios cabelos consoante dois planos, quais sejam:
- um micro representado pelo ambiente familiar e a
dualidade entre a educação opressora da mãe que sufoca a personalidade do filho
e a toada condescendente da avó da criança perante os anseios desta,
- um macro configurado através de uma sociedade
homofóbica e machista que inevitavelmente conduz a forma de agir e pensar da
mãe do garoto.
Dito isso, há quem
compreenda que esse modelo estereotipado de pensamento vindo da ruas, dividido
entre macho e fêmea e seus respectivos padrões de comportamento podem ensejar
avaliações errôneas sobre os seres humanos - conforme recentemente mostrado,
aliás, na comédia francesa Eu, Mamãe e os
Garotos (França, 2013) - hipótese essa em que a homossexualidade do
protagonista poderia ser descartada, sendo seu comportamento, portanto, apenas
uma forma de exteriorização do sonho de
ter uma vida melhor, daí pulularem na obra citações sobre as parcas condições
sociais e econômicas de um povo ainda hipnotizado pela figura de Hugo Chávez, não
obstante a falência do Estado manifestada em áreas como saúde e moradia.
Todas essas ramificações
vão num crescendo se agregando, garantindo para a produção apelo e contundência
diversos ao caminho que parecia inicialmente pretender trilhar. Graças as
possibilidades que vão paulatinamente sendo exploradas, Pelo Malo deixa de ser apenas outro drama social, tornando-se bem
mais complexo e rico ou, conforme as palavras de Ricardo Calil:
“À primeira vista, ‘Pelo Malo’ parece mais um
drama realista sobre o cotidiano de um país pobre visto pelo olhar de uma
criança. Quase um genérico que poderia ter sido feito no Irã ou no Brasil.
Mas que, nesse caso,
enfoca a vida em um cortiço de Caracas, na Venezuela.
Não demora muito, porém,
para que o filme mostre o que tem de particular: o grande oponente do protagonista
[...] será menos a pobreza do que a cultura do macho [...].
Terceiro longa-metragem
de Mariana Rondón, ‘Pelo Malo’ revela-se bem mais interessante em seu final do que
em seu começo. Ao iluminar um protagonista tão específico, termina por revelar
muito sobre onde foi realizado”².
Destarte, ao espectador cabe
escolher o caminho pelo qual prefere compreender a obra: se tão somente um
trabalho sobre distinção de sexualidade e preconceito, se uma obra de cunho
principalmente social ou se ambas as coisas. Seja qual for a alternativa, na
trilha aberta por Mariana Rondón todos os pontos se cruzam independentemente do viés interpretativo
tomado por quem assiste seu filme. Complexo e eficiente, portanto.
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1.Leia mais sobre Tomboy em: http://setimacritica.blogspot.com.br/2012/09/tomboy.html.
2.FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1360942-critica-cultura-machista-da-venezuela-e-revelada-no-filme-pelo-malo.shtml
Acesso em 10.07.14.
FICHA
TÉCNICA
Direção e Roteiro: Mariana Rondón
Produção e Edição: Marite Ugas
Elenco: Samantha Castillo, Samuel
Lange Zambrano, Nelly Ramos, Beto Benites
Estreia Brasil: 17.04.2014
Duração: 93min.
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