Pieces of a Woman

Fases do Luto

A premissa de Pieces of a Woman (Canadá/EUA/Hungria, 2020) aparenta ser um duro ataque àqueles que defendem o parto domiciliar, o que deixa no ar certa sensação de estranhamento ao passo que o filme não parece ser conservador a ponto de ignorar os benefícios do parto humanizado. Dentro deste contexto, a solução utilizada pela obra para não cair na armadilha da visão unilateral advém do destaque dado para o poder de escolha da mulher acerca do modo como irá parir e a consequente assunção das responsabilidades quanto aos riscos que tal decisão carrega.

Nesta toada, soa crucial o momento em que, mesmo alertada sobre a necessidade de ir para o hospital, a parturiente exige permanecer em casa e seguir na tentativa de dar à luz de forma natural, manifestação que é claro a assombra pelos meses seguintes e que lhe enseja culpa que em momento algum, contudo, tenta transferir para sua doula. Com efeito, a expressão de sua opinião em pleno tribunal quanto a inocência de referida profissional põe fim a uma contenda pessoal entre as duas personagens que pode até não receber o devido crédito pela justiça dos homens, embora trate-se de circunstância de pouca relevância para a narrativa que mais preocupada  se mostra em acompanhar os estágios do luto da protagonista, no que se inclui a deterioração de seu casamento, relação essa que vai do céu – vide a cumplicidade e o carinho do casal demonstrado durante o parto – até as trevas descortinadas pela perda da filha recém-nascida.

O ato inicial do longa-metragem que se desenvolve durante seus primeiros trinta minutos de duração aprisiona o espectador frente a tela tamanha a tensão reproduzida, construção que permite ao público imaginar a dor da personagem principal e assim nutrir um inabalável interesse pelo restante de sua jornada, exercício de empatia provocado em muito graças a arrebatadora performance de Vanessa Kirby que dá vida a uma mulher que não almeja a piedade alheia mas apenas o respeito dos outros quanto aos seus sentimentos e as suas decisões. A seu modo a personagem entende que a vida segue germinando e que um dia quando superar todas as fases de sua perda, quem sabe, poderá novamente ser mãe. Até lá caberá viver um dia de cada vez, abrir mão de vínculos que não mais se sustentam e, sobretudo, libertar-se da culpa, conclusão final essa que reforça não haver qualquer intenção da produção em exercitar caça às bruxas contra as parteiras, a despeito de não tapar os olhos para os perigos de um parto feito em ambiente doméstico. É preciso maturidade para criticar sem crucificar e isso Pieces of a Woman felizmente tem de sobra¹.

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1. Por certo, tal êxito decorre da experiência pessoal que diretor e roteirista casados tiveram envolvendo a perda de um filho, conforme comenta Clara Lima, a saber: “Sob direção de Kornél Mundruczó, o texto de Kata Wéber — sua esposa, com quem compartilhou o trauma da perda de um filho — ganha potência ao mergulhar nos detalhes de um cinema confessional” disponível em https://canalclaquete.com.br/pieces-of-a-woman/. Acesso em 20/02/2021).

 

FICHA TÉCNICA

Direção: Kornél Mundruczó

Roteiro: Kata Wéber

Produção: Martin Scorsese, Sam Levinson, Jason Cloth, Aaron L. Gilbert

Elenco: Vanessa Kirby, Shia LaBeouf, Ellen Burstyn, Iliza Shlesinger, Benny Safdie, Sarah Snook, Molly Parker, Steven McCarthy, Tyrone Benskin, Frank Schorpion, Harry Standjofski, Domenic Di Rosa, Jimmie Fails, Juliette Casagrande, Gayle Garfinkle, Vanessa Smythe, Nick Walker, Sean Tucker, Alain Dahan, Joelle Jérémie

Fotografia: Benjamin Loeb

Trilha Sonora: Howard Shore

Estreia Brasil: 06/01/2021

Duração: 126 min.

 

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