A Mulher que Fugiu

 Ressignificação

A Mulher Que Fugiu (Coréia do Sul, 2020) é o tipo de filme que cresce no pensamento a cada análise feita, o que denota o quão errônea é a impressão de banalidade causada à primeira vista por sua narrativa. Em meio a planos-sequências estáticos que não se acanham em ser longos - como é de costume na filmografia do diretor Hong Sang-Soo - a produção vai aqui e ali soltando informações que podem ser juntadas para fim de complementação e ressignificação do enredo¹.

Dentro deste contexto, seria a mulher que fugiu do título a pessoa brevemente citada em uma conversa ou, a bem da verdade, seria a própria protagonista que tanto insiste em dizer que jamais se distanciou de seu marido um único dia durante cinco anos? Apesar de todo seu esforço em parecer satisfeita com tal dinâmica matrimonial a possibilidade de compreensão diversa torna-se real quando em seu primeiro encontro com uma amiga revela ser ela a única pessoa com a qual pode interagir sob as bençãos do esposo, já que suas demais conhecidas não são por ele sancionadas. Estaria, assim, a personagem principal em um processo de fuga de um relacionamento abusivo² e de reconciliação com seu passado? Desta feita, seria o encontro aparentemente ao acaso ocorrido uma ex-amiga que um dia lhe roubara um namorado com quem acaba se deparando logo em seguida algo de fato não proposital? A cena com jeito de aleatória que antecede tal ato parece sugerir o contrário, vide a forma desconcertada com que a protagonista encara uma informação que surge na tela de seu telefone celular.

Esta é a beleza do cinema minimalista de  Hong Sang-Soo que tanto sugere a partir de tão pouco², embora por vezes certos pontos de vista sejam um tanto mais salientados, no que se inclui a retratação do incômodo feminino perante o gênero masculino e seu egocentrismo, como bem exemplificam o homem que não aceita receber um não de seu interesse amoroso, bem como o homem que tenta exigir dos outros que parem de alimentar os animais de rua, daí, não à toa, serem tais figuras quase sempre mostradas pelas costas como que a caracterizar o desdém feminino por gente com tais comportamentos. Logo, mesmo quando um pouco mais objetivo e claro no que pretende dizer, a obra ainda assim possui camadas ocultas a serem descobertas.

A realização de Hong Sang-Soo torna-se, por conseguinte, uma espécie de lugar afetivo aonde se pode retornar de tempos em tempos para rever coisas ou descobrir outras antes despercebidas, conclusão que demonstra o poder de acolhimento da sétima arte – algo que, aliás, a personagem principal do título experimenta quando após o contato com pessoas difíceis de outrora opta pelo abrigo de uma sala de projeção.

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1. Neste sentido, Bruno Carmelo complementa: “O cineasta retrata elementos ausentes ou imaginados, seja literalmente ao lado do enquadramento, ou num espaço apenas citado [...]. O filme se conta em voz indireta, não para sugerir fatos espetaculares que a produção não seria capaz de criar, e sim para funcionar como estímulo à nossa imaginação” (Disponível em https://www.papodecinema.com.br/filmes/the-woman-who-ran/. Acesso em 31/03/2022).

2. Tal especulação é também feita por Fernanda Talarico que assim escreve: “O título nos faz questionar quem seria esta "mulher que fugiu" e, por mais que a mãe da vizinha da personagem principal seja pessoa em questão, não há como não associar ao fato de Gamhee estar ao tempo todo fugindo, seja da realidade em que vive com o marido — que por muitas vezes é pintado como alguém abusivo, que a afasta das pessoas —, como da própria verdade, pois ela parece não querer enxergar como está a vida dela e sua relação” (A Mulher Que Fugiu': Drama sul-coreano trabalha bem diálogos e personagens. Disponível em https://www.uol.com.br/splash/filmes/critica/a-mulher-que-fugiu-review.htm. Acesso em 31/03/2022).

FICHA TÉCNICA

Título Original: Domangchin yeoja

Direção e Roteiro: Hong Sang-Soo

Elenco: Min-hee Kim; Seon-mi Song, Eun-mi Lee, Hae-hyo Kwon; Saebyuk Kim; Seo Young-hwa

Estreia Brasil: 10/02/2022

Duração: 77 min.

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