Bela Vingança

 Enfático Mesmo que Oscilante

 

Em sua primeira metade Bela Vingança (EUA/Reino Unido, 2020) mira o olhar sobre o machismo e a misoginia. Nesta passagem, a sanguinolência sugerida em trailers e demais materiais promocionais felizmente não ultrapassa o plano da sugestão, denotando, assim, a preocupação do filme em não se valer da violência física de modo sensacionalista, contexto esse em que parece interessar-lhe mais avaliar a violência psicológica concernente às humilhações diárias que mulheres experimentam em virtude do comportamento sexista do gênero oposto.

Através de uma fusão de pop art com provocações amargas o espectador, principalmente masculino, é levado a compreender com mais clareza o que é ser mulher num mundo onde a cultura do estupro é uma realidade lamentavelmente banalizada – como bem escreve Isabela Boscov: “Há uma razão específica para a sanha de Cassandra [...] : uma saturação absoluta com a facilidade com que alguns homens diminuem, objetificam, desvalorizam e descartam as mulheres”¹.

Já na segunda metade, tal toada é deixada um pouco de lado para que prevaleça uma história de justiceira, redirecionamento que, guardadas as devidas ressalvas estéticas, aproxima o longa-metragem de Kill Bill (EUA, 2003), resultado, há de se convir, que empobrece um tanto o enredo - a despeito do esforço de Carey Mulligan para não deixar o título se tornar mais do mesmo.

A transformação do roteiro em jogo de gato e rato faz com que a visceralidade da crítica perca parte do fôlego, circunstância adiante amenizada graças a um ponto de virada que, apesar da louvável e corajosa ousadia anticlimática, não chega a ser suficiente para fazer Bela Vingança recuperar as notas do início.

Não obstante eventuais oscilações narrativas da obra, os trabalhos de fotografia, direção de arte e figurinos agregam pontos ao conferirem-lhe uma plasticidade inteligentemente contraditória, afinal, os cenários e trajes vívidos aparentam eleitos para contrastar com a escuridão que marca o íntimo da protagonista e/ou para ilustrar seu deslocamento perante uma sociedade doente que insiste em taxá-la como tal².

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1. Carey Mulligan brilha e pode roubar a cena no Oscar com ‘Bela Vingança’. Disponível em:  https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/carey-mulligan-brilha-e-pode-roubar-a-cena-no-oscar-com-bela-vinganca/ Acesso em 25/05/2021.

2.  Neste sentido, Katiúscia Vianna afirma: “Emerald Fennell construiu, meticulosamente, um universo com cores simpáticas e músicas pop, trazendo uma mentirosa sensação de segurança”. Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-273120/criticas-adorocinema/ Acesso em 25/05/2021.


Ficha Técnica

Título Original: Promising Young Woman

Direção e Roteiro: Emerald Fennell

Elenco: Adam Brody, Ray Nicholson, Sam Richardson, Carey Mulligan, Timothy E. Goodwin, Bo Burnham, Laverne Cox, Jennifer Coolidge, Alison Brie, Clancy Brown, Max Greenfield, Christopher Mintz-Plasse

Fotografia: Benjamin Kracun

Trilha Sonora: Anthony Willis

Montagem: Fréderic Thoraval

Estreia: 13/05/21 (Brasil)

Duração: 114 min.

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