O Homem Invisível
Alteração do
Protagonismo
Adaptações anteriores de O Homem Invisível fizeram do personagem
homônimo o protagonista da trama, esmerando-se não raro em analisar o
egocentrismo de tal figura bem como a loucura nele despertada a partir da invisibilidade
experimentada, caminho narrativo esse que a versão lançada em 2020 passa longe
na medida em que prefere se concentrar na tecla do relacionamento abusivo –
assunto que, inclusive, já permeava O
Homem sem Sombra (2000) adaptação anterior
que o cineasta Paul Verhoeven fizera da história sob um prisma vouyeurístico
eis que também preocupado com o erotismo.
Com efeito, o trabalho estrelado
por Elizabeth Moss é todo construído em torno da ótica da mulher perseguida,
daí ser esta a principal figura do enredo que, desta feita, se empenha em
salientar os traumas e fobias herdados por mulheres agredidas por seus
parceiros – contexto esse em que o filme nem se preocupa em relatar os eventos
pretéritos que tornaram Cecilia (E. Moss) tão ansiosa pela
libertação do jugo matrimonial, já que a produção possui a seu favor a presença
da atriz principal de The Handmaid's Tale o não é pouco
já que essa apenas com um par de olhares consegue fazer o público compreender a
dor de uma mulher maltratada física e psicologicamente pelo consorte, daí ser a
informação sobre seu anseio de fuga o suficiente para dar partida a um jogo de
gato e rato no qual de maneira inteligente o rosto do perseguidor é mantido em
penumbra durante grande parte do longa-metragem, tornando-o, assim, uma sombra
ameaçadora mesmo que não visível.
Dentro deste viés, as nuances
voltadas a defesa da mulher são reforçadas por meio do retrato que se faz do
processo de deslegitimização da vítima e que se revela como ingrediente extra
de terror ao passo que a personagem “apesar
de ter todos os motivos para ser ouvida, é tratada como insana”¹. Todas
essas nuances e metáforas atualizam o texto original do clássico literário de H. G. Wells²
e servem para aguçar o suspense, algo que o diretor Leigh Whannell consegue fazer durante considerável parte do tempo
através de sequências que transitam entre o silêncio angustiante e a trilha
musical arrepiante.
É uma pena que as boas ideias
mostradas durante o desenvolvimento do filme não sejam reiteradas já próximo ao
seu término, quando então o roteiro se rende a convenções do gênero e passa a
mostrar aquilo que antes era apenas sugerido, o que deságua em soluções
atabalhoadas, uma vez que pouco preocupadas em ser verossímeis e em reparar as
pontas soltas deixadas, resultado decepcionante visto que um trabalho com
potencial para suscitar reflexões sociais como esse merecia um desfecho à
altura. Seja como for, trata-se de outro título relevante para a filmografia de
Elizabeth Moss que defende mais um papel no qual questiona o lugar reservado
para a mulher em meio a uma sociedade patriarcal, o que, há de se convir, já
vale o ingresso.
___________________________
1. ALVES, Robinson Samulak. O Homem Invisível (2020): o terror de relacionamentos abusivos. Disponível em: https://cinemacomrapadura.com.br/criticas/572117/critica-o-homem-invisivel-2020-o-terror-de-relacionamentos-abusivos/. Acesso em 09/03/2020.
2. Como
bem observa Robinson
Samulak Alves: “Saber que
as consequências da violência doméstica são muito mais ameaçadoras do que um
monstro, é a prova que Whannell entendeu como fazer uma boa atualização de um
clássico da literatura” (Op. Cit.).
Título Original: The Invisible Man
Direção: Leigh Whannell
Roteiro: Leigh Whannell
adaptado da obra de H.G. Wells
Produção:
Jason Blum
Elenco: Aldis Hodge, Amali Golden, Anthony
Brandon Wong, Benedict Hardie, Bianca Pomponio, Elisabeth Moss, Harriet Dyer,
Oliver Jackson-Cohen, Sam Smith, Storm Reid, Zara Michales
Fotografia:
Stefan Duscio
Trilha Sonora: Benjamin Wallfisch
Montagem: Andy Canny
Estreia: 27/02/2020
(Brasil)
Duração:
125 min.
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