Um Amor Impossível
Falhas Irretratáveis
Baseado no romace homônimo de Christine Angot, dirigido por Catherine Corsini e estrelado por Virginie Efira, Um Amor Impossível (França/Bélgica, 2018), enquanto produto do trabalho de pelo menos três mulheres, consiste em acurado olhar feminino sobre o papel da mulher em uma sociedade patriarcal ao longo de quase meio século. Dentro deste contexto, não obstante apresente Rachel (Efira) como uma mulher independente e chefe de família em meio a um período no qual isso ainda não era algo rotineiro, o filme não deixa de expor as contradições de um ser que, a despeito de seu empoderamento de vanguarda, sucumbe miseravelmente aos encantos de um macho alfa que a coloca em estado de submissão e que a faz aceitar ser procurada apenas quando aquele assim decide dada sua confessa incapacidade de ser monogâmico.
Para ser justo a forma sazonal com que Rachel é lembrada pelo homem que idolatra consiste em circunstância vivenciada sobretudo a partir do anúncio de sua gravidez que nenhuma reação desperta no antes namorado que agora opta por ser amante eventual. Embora abandonada, Rachel ainda assim satisfaz-se com as migalhas que com intervalo de alguns anos lhes são dadas e nesse processo permite que semelhante tratamento de descaso seja direcionado para sua filha Chantal pelo desinteressado genitor, já que até mesmo o reconhecimento da paternidade é algo que o mesmo se opõe a fazer durante quatorze anos para não causar incômodo aos seus pais abastados e tradicionais bem como a família que oficialmente constituiu durante esse tempo.
A forma com que Philippe (Niels Schneider) relega Rachel a condição de amante e Chantal a posição de filha bastarda é aceita com passividade e subserviência pela primeira num comportamento que incomoda tanto quanto a altivez e vaidade daquele, sensação que o longa-metragem desperta sem julgamentos didáticos, preferindo, ao contrário, deixar que as imagens falem por si e lembrem o espectador que, apesar das virtudes, todos tem seus pontos fracos que quando manipulados são capazes de deflagrar letargia e cegueira responsáveis por falhas irretratáveis.
Nesse cenário Chantal é quem sai mais fragilizada seja pela perversidade do pai, seja pela incompetência da mãe em enxergar o tamanho do mau que aquele homem impunha sobre a primeira que, desta feita, acaba destruída psicologicamente ainda cedo na adolescência, estado mental que se mantém vigente daí em diante, o que faz já na fase adulta mãe e filha não conseguirem conviver de forma pacífica, contexto esse em que a produção afasta da tela a figura masculina para, assim, focar somente nas discussões bergmanianas travadas entre as mulheres. Trata-se, portanto, de um embate do sexo feminino que avalia sua postura no meio social e sua dependência emocional perante o sexo oposto, lavagem de roupa suja essa que corretamente não cede espaço para quem não detém lugar de fala, o que confere à análise um objetivo mais de compreensão do que de juízo de valor, opção madura que evita o maniqueísmo e faz com que as chances do filme se tornar um novelão sejam felizmente frustradas para em lugar disso ser um trabalho que não se esquiva de enfrentar assuntos densos como, por exemplo, abandono e abuso sexual que são tratados sim de forma a incomodar, ainda que mediante uma abordagem que não abdica de ser sutil e respeitosa.
Ficha Técnica
Título Original: Un Amour Impossible
Direção: Catherine Corsini
Roteiro: Catherine Corsini, Christine Angot, Laurette Polmanss
Produção: Anne-Laure Labadie, Elisabeth Perez, Jean Labadie, Patrick Quinet
Elenco: Ambre Hasaj, Arthur Igual, Catherine Morlot, Coralie Russier, Didier Sandre, Estelle Lescure, Gaël Kamilindi, Iliana Zabeth, Jean-Christophe Brétignière, Jehnny Beth, Lionel Robert, Mounia Raoui, Niels Schneider, Pierre Salvadori, Sasha Alessandri-Torrès Garcia, Siegrid Alnoy, Simon Bakhouche, Simon Poulain, Virginie Efira
Fotografia: Jeanne Lapoirie
Trilha Sonora: Grégoire Hetzel
Montagem: Frédéric Baillehaiche
Estreia: 22/08/2019
Duração: 135 min.
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