O Mercado de Notícias
Telecurso
Panfletário
Logo no início de O Mercado de Notícias (Brasil, 2014) o
diretor Jorge Furtado declara que sua intenção é fazer deste um trabalho que
enalteça o jornalismo e não o que o deprecie. Tal premissa é felizmente
descumprida na medida em que o cineasta opta, por exemplo, por ilustrar o
documentário com a encenação de trechos da peça teatral homônima escrita pelo
inglês Ben Jonson em 1625, texto esse particularmente ácido quanto a figura do
jornalista e seu posicionamento ao sabor das circunstâncias e da pecúnia.
Tal recurso, vale esclarecer, pouco
acrescenta da opinião de Furtado sobre o tema, servindo na verdade apenas de
respiro ao espectador que entre tantos depoimentos de jornalistas brasileiros
contemporâneos pode assim descansar apreciando uma linguagem audiovisual
emprestada diretamente do extinto Telecurso 2000 – sim, o programa educacional
matutino da Rede Globo.
Quando resolve falar sobre os
erros que a imprensa comete Furtado enfim revela o que pensa, porém o faz
dirigida e equivocadamente contra os meios de comunicação opositores ao governo
petista. Desta feita, o documentarista embarca num discurso panfletário que
reproduz a dicotomia vigente, ainda que ultrapassada, do “nós contra eles”, do poder do proletariado contra a burguesia. Em
outras palavras, Furtado não consegue tratar da problemática sem ser literal e
escancaradamente partidário¹, senão vejamos dois exemplos:
- numa determinada sequência o cineasta aborda a
história, divulgada pela Folha de São Paulo, de uma provável tela pintada por
Pablo Picasso que havia sido por acaso encontrada num prédio do INSS; neste
diapasão, o cineasta desconstrói com afinco detalhe por detalhe da conversa
fiada publicada pelo jornal de grande circulação e, não satisfeito com tal
resultado, conclui triunfante ao término de sua explanação, com exagerado
esteio na semiótica, que aquela matéria absurda possuía um objetivo intrínseco
preconceituoso, qual seja demonstrar que um governo do povo não detém
conhecimento intelectual necessário para a missão de liderar um país, daí que a
fotografia da suposta obra de arte pendurada numa parede ao lado de um retrato
do então presidente Lula servia de metáfora para o abismo cultural no qual o
Brasil caíra²;
- em seguida, Furtado repete a manjada ladainha lulo-petista
contra a Revista Veja ao destacar como errônea uma das manchetes do periódico
sobre o ex-ministro dos esportes Orlando Silva acusado em 2011 por um militante
do PCdoB de haver recebido propinas na garagem do Ministério dos Esportes; no
afã de convencer o espectador de sua tese sobre a ocorrência de crime contra a
reputação do político, Furtado insinua o descrédito da revista mediante a
apresentação de uma manchete veiculada num site
informando que o autor das acusações havia voltado atrás e retirado o que tinha
dito. Assim, Furtado julga o meio de comunicação sem dar a ele a oportunidade
de se manifestar sobre o desenrolar do caso e, o que é pior, ignora que a
publicação teve por base a declaração de uma fonte não secreta, daí que
qualquer deturpação dos fatos porventura relatada na ocasião não partira da
revista e sim do acusador, tendo aquela apenas cumprido seu dever de informar
aquilo que lhe fora repassado.
Isto posto, O Mercado de Notícias é em seu âmago o retrato de um nicho e de um
tempo. Em suma, o que o filme trata é da relação entre a imprensa e o governo
federal petista. Lamentavelmente, o que se mostra é um olhar isento de
preferências, uma manobra maniqueísta para ludibriar o espectador com lamúrias
e pregações partidárias. Talvez por isso o filme que tanto se dedica a
discorrer sobre a ética e eficiência do jornalismo evite, em contrapartida,
adentrar no mérito da possível inviabilidade de atuação de seus profissionais
caso um dia levada a cabo o velho sonho de Lula, Franklin Martins e demais
companheiros de regular a mídia³.
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1.Dentro
deste contexto, Marcelo Coelho assim discorre sobre o filme: “Metade dos entrevistados, mais ou menos,
considera que os jornais perseguem o governo do PT, e teria longas
considerações a fazer sobre o caso do mensalão. [...] A vontade implícita deste
documentário é colocar em questão uma imprensa que foi duríssima contra Lula.
Por que não falar disso de uma vez? Curiosamente, o tema do mensalão foi
recalcado, abafado, suprimido (auto-censurado?) em ‘O Mercado de Notícias’. Por
esse cuidado do diretor, que talvez tenha querido parecer ‘apartidário e independente’,
o filme me pareceu ficar girando na periferia de seu assunto real” (FONTE: http://marcelocoelho.blogfolha.uol.com.br/2014/08/21/o-mercado-de-noticias/
Acesso em 14.02.14).
2. O
documentário possui uma página própria na Internet espaço no qual a conclusão
sobre o caráter preconceituoso da matéria fora repetido nos seguintes termos: “O sentido da matéria é claro: os novos
ocupantes do governo federal não reconhecem e não sabem lidar com o valor da
arte” (FONTE: http://www.omercadodenoticias.com.br/casos-jornalisticos/#picasso-do-inss/
Acesso em 14.02.14).
3. Para
não soar injusto, cabe ressaltar que uma declaração acerca da tentativa de
regulação da imprensa é destacada por Jorge Furtado sobretudo no site de O Mercado de Notícias, qual seja a
seguinte fala de Bob Fernandes: “Não
conheço nenhum caso recente de censura do Estado, que tanto temem. E eu
conheço, e qualquer jornalista conhece, centenas de casos de censura feita
pelos dono do meio de comunicação”. Infelizmente, contudo, a frase se perde
em meio a tantas outras não sendo devidamente escrutinada.
FICHA TÉCNICA
DIREÇÃO E ROTEIRO:
Jorge Furtado
PRODUÇÃO:
Nora Goulart
ELENCO:
Antônio Carlos Falcão, Eduardo Cardoso, Elisa Volpatto, Evandro Soldatelli,
Irene Brietzke, Ismael Caneppele, Janaina Kremer, Marcos Contreras, Mirna
Spritzer, Nelson Diniz, Sérgio Lulkin, Thiago Prade, Ursula Collischonn, Zé
Adão Barbosa
EDIÇÃO:
Giba Assis Brasil
FOTOGRAFIA:
Alex Sernambi, Jacob Sarmento Solitrenick
MÚSICA:
Leo Henkin
DIREÇÃO DE ARTE:
Fiapo Barth
FIGURINO:
Rosangela Cortinhas
ESTÚDIO:
Casa de Cinema de Porto Alegre
ESTREIA:
07/08/14
DURAÇÃO:
94 min.
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