Cinquenta Tons de Cinza
Sexo Seguro
As coisas em Cinquenta Tons de Cinza (EUA, 2014) se
materializam e se fundam pela via da exceção, assim, por exemplo, num plano
externo a suntuosa vida levada por Christian Grey nada possui de normal para
quem não é bilionário, ao passo que numa esfera íntima o prazer sexual dele e
de sua parceira é atingido pela utilização de instrumentos de tortura que mantém
os corpos afastados. Conectados a essa realidade plastificada a diretora Sam
Taylor-Johnson junto com o casal de atores Dakota Johnson e Jamie Dornan
apresentam um trabalho
tão superficial quanto a premissa.
Neste sentido, nenhuma
emoção indicada ao longo do filme soa genuína na medida em que a atriz, por
maior que seja o esforço, acaba presa a teatralidade de sua personagem: uma
jovem universitária que morde os lábios como ferramenta, clichê, de sedução, ao
passo que o ator entrega a performance canastrona requerida pelo personagem
metido a dominador sem, porém, agregar qualquer nuance extra capaz de tornar o
papel mais interessante.
De resto, o que se vê é
mera perfumaria (locações arrebatadoras e fotografia de filme publicitário
unidas para mostrar o conto de fadas material no qual Anastasia Steele -
Dakota Johnson - se insere) e muita, mas muita
covardia. Se, de um lado, em determinada cena Christian Grey pede a Anastasia
que não se envergonhe de sua nudez, a câmera de Taylor-Johnson, em contrapartida,
revela um pavor tremendo das genitálias de seus atores, evitando a todo custo,
mediante enquadramentos e cortes irritantes, qualquer nu frontal. Desse modo,
em se tratando de um sexo supostamente selvagem como o praticado pelo casal
central, é decepcionante o pudor com que as cópulas são mostradas; aliás, os
personagens não suam nem ficam marcados pelo sexo nervoso praticado, detendo intermitentemente,
ao contrário, um aspecto tão clean
quanto a decoração dos aposentos de Mr. Grey.
Essa superficialidade da
adaptação cinematográfica de um livro mundialmente conhecido pela qualificação mommy porn, apesar do lamento ora
expressado, não deve ser encarada com surpresa, isso porque a autora E.L. James
abordara a questão do sadomasoquismo, desde o material de origem, de um jeito
milimetricamente calculado para não extravasar a margem de segurança que mantém
o interesse de consumidoras mais sensíveis, sendo essa uma fórmula de sucesso
que não poderia ser desprezada por Hollywood.
Ederli Fortunato, dentro
deste contexto, ressalta:
“o sucesso em um nicho
não seria suficiente para explicar o fenômeno [de sucesso] se a história não
oferecesse alimentos atrativos para um público mais amplo. Assim, como não se
afasta do romance tradicional incluindo os clichês da virgem inocente, Cinquenta Tons de Cinza oferece uma dose
de transgressão, de ir além dos limites graças a sua versão light de sadomasoquismo”¹.
Em busca da classificação
R – segundo a qual menores de 17 anos podem assistir o filme desde que
acompanhados de um dos pais – a produção se refestela na zona de conforto mommy porn arrastando-se até seu término
sem qualquer traço de sensualidade ou ousadia. Num mundo perfeito esse tipo de
material seria confiado a um diretor cru e sacana como Paul Verhoeven ou Lars
Von Trier, artistas que, por certo, retratariam toda a perversão permitida pelo
sexo quanto discutiriam o processo de prostituição ao qual Anastasia se entrega
para satisfazer o sadismo de seu dominador. Eis um devaneio que se concretizado
agradaria cinéfilos, feministas e sociólogos.
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1. Revista Preview.
Ano 6. ed. 65. São Paulo: Sampa, Feveiro de 2015. p.17.
Ficha Técnica
Título
Original:
Fifty Shades of Grey
Direção: Sam Taylor-Johnson
Roteiro: E.L. James, Kelly
Marcel
Elenco: Jamie Dornan, Dakota Johnson, Andrew
Airlie, Ann Wu-Lai Parry, Anna Louise Sargeant, Anne Marie DeLuise, Anthony
Konechny, Brent McLaren, Callum Keith Rennie, Chad Fortin, Dylan Neal, Eloise
Mumford, Emily Fonda, Jason Cermak, Jason Verner, Jennifer Ehle, Jo Wilson, John Specogna, Jordan
Gardiner, Julia Dominczak, Kirt Purdy, Luke Grimes, Marcia Gay Harden, Matthew
Hoglie, Max Martini, Megan Danso, Peter Dwerryhouse, Rachel Skarsten, Raj Lal,
Reese Alexander, Rita Ora, Steven Cree Molison, Tom Butler, Victor Rasuk
Produção:
Dana Brunetti, E.L. James, Michael De Luca
Fotografia:
Seamus McGarvey
Montagem:
Lisa Gunning
Trilha
Sonora: Danny Elfman
Estreia no
Brasil: 12.02.15
Duração: 125 min.
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