Spotlight – Segredos Revelados
Sem Mal-Estar
Ao
analisar o drama alemão Labirinto de
Mentiras (2014) Roberto Cunha salienta que: “Diferentemente da maioria dos filmes
sobre o tema [nazismo], o horror aqui não está nas imagens, mas no
que se ouve dos personagens” ¹. Tal
observação faz lembrar aquilo que Spotlight
– Segredos Revelados (EUA, 2015) almeja
ter como trunfo, mas hesita ao pôr em prática, qual seja a estratégia de narrar
casos de abuso infantil praticados por dezenas de padres apenas
mediante diálogos e entrevistas, dispensando, assim, o uso de imagens e flashbacks.
Em sendo
uma história investigativa, Spotlight situa sua ação fílmica no tempo presente, daí, como
já dito, não se valer de encenações dos atos de pedofilia. Por conseguinte, a
narrativa se vale tão somente dos relatos orais das vítimas, o que não seria
demérito algum caso a obra não demonstrasse tanto medo de escancarar a ferida,
optando, assim, por, infelizmente, interromper as falas sempre que essas ameaçam
se tornar incômodas a ouvidos sensíveis.
Não
resta dúvida de que dentro de seu formato convencional a produção é bem
conduzida - vide, por exemplo, a forma correta com que demonstra o
comportamento ambíguo de certos jornalistas temerosos em encarar a Igreja
Católica de maneira tão acintosa - aspecto esse em
que se destaca a atuação low profile
de Liev Schreiber – qualidades que, entretanto, não camuflam a sensação de que
um embate mais incisivo e crítico poderia ter sido feito em torno do assunto da
pederastia clerical.
Há trabalhos
que ganham pontos em razão da forma imparcial com que tratam assuntos polêmicos,
deixando exclusivamente para a plateia a tarefa de julgar, há outros que, ao
contrário, possuem a missão de denunciar², daí elegerem desde o início um lado a
defender, categoria essa que não permite titubeação, afinal, quanto menor o
número de concessões feitas, melhor será o resultado e a capacidade causada de
causar reflexões. Neste sentido, Spotlight
enfurece ante a considerável dose de cautela apresentada, daí o longa-metragem não provocar mal-estar tal como costumam fazer as realizações do filão denunciativo ao qual pretende se filiar.
Ao que
parece a distribuição de prêmios para Spotlight
soa como uma atitude politicamente correta de posicionamento contra o abuso
infantil. O hype em torno da obra,
pelo visto, se deve mais ao tema do que ao seu valor cinematográfico (no que se
inclui forma e conteúdo). Desse modo, um filme bom, porém, em momento algum
memorável, acaba alçado a um patamar que não faz jus graças exclusivamente a
uma comoção social. Por certo, o barulho causado seria mais relevante e quem
sabe eficiente se o oscarizado título não temesse mergulhar fundo em águas tortuosas, leia-se,
em relatos escabrosos sobre a perversão clerical.
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1. Revista Preview.
Ano 7. ed. 75. São Paulo: Sampa, Dezembro de 2015. p. 53.
2. A utilização de tal verbo por certo não é a
mais precisa, considerando que quase sempre os assuntos abordados já foram amplamente
divulgados pela mídia.
Ficha
Técnica
Direção:
Thomas McCarthy
Roteiro: Josh
Singer, Thomas McCarthy
Elenco: Michael
Keaton, Mark Ruffalo, Stanley Tucci, Rachel McAdams, Billy Crudup, Brian
Chamberlain, Brian d'Arcy James, Doug Murray, Duane Murray, Elena Wohl, Gene
Amoroso, Jamey Sheridan, John Slattery, Liev Schreiber, Michael Cyril
Creighton, Neal Huff, Paul Guilfoyle, Robert B. Kennedy, Sharon McFarlane
Produção:
Blye Pagon Faust, Michael Sugar, Nicole Rocklin, Steve Golin
Fotografia:
Masanobu Takayanagi
Montagem:
Tom McArdle
Trilha
Sonora: Howard Shore
Estreia
Brasil: 07.01.16
Duração: 128 min.
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