Anomalisa
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Michael Stone, um bem sucedido escritor de manuais
de atendimento do consumidor, não consegue ver graça no mundo e nas pessoas. Solitário,
tudo lhe soa tedioso e repetitivo causando profundo desconforto. Em meio a uma
crise de ansiedade, Stone conhece a carente Lisa por quem se interessa até o
ponto em que seu egocentrismo e egoísmo voltam a ditar as regras, passando o
personagem a novamente ver e, sobretudo, ouvir a todos de forma igual.
Não obstante a profusão de sentimentos que a
sinopse acima sugere, Anomalisa (EUA, 2015) é sem dúvida o filme mais
acessível e simples de Charlie Kaufman. Sua narrativa linear e tradicional pouco se
aproxima, por exemplo, dos mirabolantes enredos de Sinédoque Nova York
(EUA, 2008)¹, Brilho Eterno de Uma
Mente sem Lembranças (EUA,
2004) e Adaptação (EUA, 2002); contudo, ainda que tal conclusão possa resultar
decepcionante para alguns, a apontada simplicidade da obra não custa a se
revelar como uma mera aparência dada a presença de um elemento que a torna tão
estranha e especial quanto os títulos outrora citados: a técnica stop motion.
Seja por
meio da paleta de tons sépia, seja através da decisão de não esconder as
imperfeições do design de seus bonecos, o formato da animação colabora
em muito para a construção do tom melancólico exigido pela história e tão caros
aos textos de Charlie Kaufman. Não a toa, mostra-se essencial a
presença de Duke Johnson na co-direção, pois é ele, enquanto veterano na
condução de trabalhos que não seguem o modelo live action, o responsável
pela perfeita transposição do roteiro de Kaufman para uma linguagem tão diversa
- parceria essa que, vale lembrar, atinge seu ápice na já antológica, triste e
um tanto surreal sequência de sexo ‘interpretada’ pelo casal de personagens principais.
Uma vez que a falsa impressão de simplicidade fora
devidamente afastada, outra conclusão equivocada deve também ser driblada, qual
seja o suposto triunfo da forma sobre o conteúdo. Na verdade o fiel da balança em
Anomalisa resta bastante equilibrado quanto a referida dicotomia, motivo
pelo qual – considerando que as qualidades da forma já foram salientadas
alhures – merecem os méritos do conteúdo o seu justo espaço, daí ser inevitável
aproveitar a ocasião para ressaltar o modo precisamente humano e crível com que
seres e ambientes são delineados em riqueza de detalhes - com efeito, é genial
a ideia de dar aos personagens, no que se excepciona Michael Stone, uma voz masculina
idêntica, pois ao mesmo tempo que denota o quão pretensioso o protagonista é
por se considerar exclusivo em meio aos demais, demonstra também o quão depressivo esse enfado é. Assim, o errante Stone
é moldado como uma figura por vezes cruel, mas também digna de pena, o que o
torna um poço de contradições e, portanto, de humanidade.
Como antes dito, Anomalisa pode resultar simples
na forma direta com que se comunica, mas isso em nada diminui sua beleza e
inteligência.
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1.Leia mais sobre
Sinédoque Nova York em http://www.setimacritica.blogspot.com.br/2010/04/sinedoque-nova-york_26.html.
Roteiro:
Charlie
Kaufman
Elenco: Jennifer Jason Leigh (Lisa), David Thewis (Michael Stone), Tom Noonan
Produção: Charlie Kaufman, Duke Johnson, Rosa Tran
Fotografia:
Joe Passarelli
Montagem:
Garret Elkins
Trilha
Sonora: Carter Burwell
Estreia: 28.01.2016 (Brasil)
Duração: 90 min.
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