Me Excita, Droga!
Misoginia Fofinha
A violência sexual não
permite relativizações. É um crime e como tal merece repúdio e condenação. Tal
pensamento, desta feita, desconstrói qualquer possibilidade de considerar Me Excita, Droga! (Noruega, 2011) uma
realização bem-sucedida dada a insistência com que minimiza o drama do abuso
enfrentado por sua protagonista. Neste contexto, Alma é uma adolescente
entediada com a rotina da pequena cidade interiorana onde reside. Suas
insatisfações, vale dizer, podem soar frívolas considerando que a realidade de nação
desenvolvida por ela experimentada é anos-luz melhor e mais cômoda que, por
exemplo, a rotina de jovens que tem a liberdade cerceada em países
fundamentalistas¹, porém, uma vez reconhecido que a adolescência é uma fase em
que naturalmente as pessoas são insatisfeitas com o peso, com os pais, com as
condições financeiras e com as limitações do ir e vir, as revoltas nesse
sentido manifestadas por Alma se tornam até compreensíveis, condescendência que,
entretanto, não é possível de ser mantida depois que o assunto abuso sexual
adentra na trama.
Apesar de estar com os
hormônios à flor da pele e, consequentemente, sedenta por sexo, Alma, mantém o
inocente sonho de namorar Artur, um cobiçado e popular colega do colégio,
esperança cor-de-rosa essa que se torna um pesadelo quando ele na primeira
oportunidade abusa da garota apaixonada cutucando-a com seu pênis. Inicialmente, num ato errôneo fruto de sua
inexperiência e do anseio por se manter aceita em seu meio, Alma parece se
sentir lisonjeada por ter o garoto por quem é apaixonada lhe direcionado
segundos de atenção com o falo. Ao contar para amigas o ocorrido uma reação em
cadeia por ela inesperada se deflagra: Artur nega a acusação, Alma ganha a fama
de mentirosa e vira alvo de chacota em toda a escola.
A partir daí o material
que poderia se tornar um libelo contra o abuso sexual na adolescência é, ao
contrário, manipulado por uma ótica preconceituosa e misógina devidamente
disfarçada por uma embalagem falsamente bobinha e engraçadinha, isso porque a
desconfiança em torno das palavras de Alma cresce a tal ponto que em
determinado instante o próprio longa-metragem trata de confundir o espectador
sobre a veracidade da denúncia feita pela garota que, assim, segue rotulada
como uma mulher tresloucada e inconsequente ao passo que o abusador é
indevidamente vitimizado. Nesta toada, Alma e a narrativa permanecem
demonstrando apreço pelo agressor e pelas pessoas que a julgam. Quando
finalmente parece compreender que não possui culpa alguma e que fora alvo de um
canalha, eis que o filme e a personagem abrem espaço para a redenção de Artur
que num ato semelhante ao de um príncipe encantado da Disney reassume o status de bom moço sem, ao contrário do
que ocorrera com Alma, ter passado por qualquer espécie de represália contra o
abuso cometido. Destarte, Alma sofre toda sorte de consequência moral em razão do
assédio sofrido enquanto Artur acaba premiado com o perdão e o corpo dela.
Sim, a vida é cheia de incoerências
dessa espécie, todavia, cabia à produção ser mais responsável e, ao invés de
tratar o abuso sexual como um percalço passageiro, quando não fofo, da adolescência,
encarar o tema como de fato é: um crime que não abre margem para justificativas
quanto a atitude do agressor. Considerando que o público alvo da obra é a
plateia jovem não deveria esta terminar a sessão tão confusa e ludibriada
quanto Alma.
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1. Cinco Graças (França/Turquia/Alemanha, 2015) é um exemplo de filme
que aborda essa dura realidade.
Ficha
Técnica
Título Original: Få meg på, for faen
Direção: Jannicke Systad Jacobsen
Roteiro: Jannicke Systad Jacobsen, baseado na obra de Olaug Nilssen
Produção: Brede Hovland, Knud Bjørne-Larsen
Elenco: Henriette Steenstrup, Julia Bache-Wiig, Malin Bjørhovde, Matias Myren , Helene Bergsholm, Julia Schacht, Arthur Berning, Jon Bleiklie Devik, Lars Nordtveit Listau, Beate Støfring
Montagem: Zaklina
Stojcevska
Fotografia:
Marianne Bakke
Trilha
Sonora: Ginge Anvik
Direção de Arte:
Marianne Bakke
Estreia:
19.08.2011
Duração: 72 min.
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