O Monstro de Mil Cabeças
Mínimo Necessário
Impressiona como o diretor Rodrigo Plá utiliza apenas o mínimo necessário para tornar tão impactante
a história de O Monstro de Mil Cabeças
(México, 2015). Não que o enredo prime pelo ineditismo já que drama
parecido fora mostrado em Um Ato de
Coragem (EUA, 2002); destarte, o que torna o longa-metragem mexicano interessante
é o método preciso e sucinto com o qual Plá mantém o
espectador colado a cadeira enquanto a via-crúcis da protagonista se desenvolve
na tela, senão vejamos:
- o cotidiano de dor do marido da personagem
principal que preso a uma cama enfrenta uma doença que a passos largos o aproxima
da morte é visto em breves segundos sem que seu calvário seja valorizado em
demasia; assim, para Rodrigo Plá basta uma rápida menção
de que o homem está enfermo para em seguida concentrar o foco no reflexo que
tal realidade causa sobre sua família e em especial sobre a esposa que não tolera
ficar estática, resignada perante as rejeições do plano de saúde ao pedido de
custeio do tratamento necessário ao paciente;
- tal dinâmica é registrada com uso esparso de
diálogos, sem narrações em voz over e
sem desnecessárias cenas de eventuais atos preparatórios da mulher para
concretização do plano por ela arquitetado para ‘convencer’ burocratas a
autorizar o tratamento médico de seu consorte;
- trocando em miúdos, o público é arremessado sem
muita preparação na trajetória de violência implementada pela protagonista contra
aqueles que se recusaram a atender seu marido, daí, soar tão surpreendente e inebriada
em raiva e desespero cada ocasião em que a mulher saca sua arma e prova sua
disposição de fazer o que for preciso para alcançar seu objetivo;
- nesta toada, um exemplo do econômico modus operandi de Plá
é encontrado na sequência em que Sonia Bonet (Jana Raluy) vai até a casa do primeiro médico por ela
abordado: de costas para a tela este avisa que não irá lhe atender por ter um
compromisso importante dentro de pouco tempo, porém, não tarda a surgir em um
canto do quadro um pequeno pedaço do braço de uma raquete de tênis na bolsa
carregada pelo homem; dessa maneira, revelando apenas alguns centímetros de um
objeto, Plá entrega o caráter daquele profissional e o
quão insignificante para ele é o problema apresentado pela protagonista;
- no que tange as cenas de violência física,
pontuais, cabe dizer que as mesmas acontecem na maior parte das vezes no espaço
extracampo, sendo os sons, sombras e gestos parcialmente mostrados os
responsáveis por agregar a carga de brutalidade exigida em tais momentos;
- por último, em meio a tudo o que fora relatado,
permeiam ainda trechos de áudios captados durante o julgamento da personagem,
evento que, em contrapartida, é mostrado somente durante os créditos finais
mediante a utilização de imagens de circuito interno de câmeras de segurança;
desse modo genial Rodrigo Plá faz de O Monstro de Mil Cabeças também um filme de tribunal muito
sugerindo e quase nada mostrando, o que torna justificável e deveras acertada a
opção pelo final semiaberto.
Vale acrescentar que o curioso design de produção a todo instante
insere móveis e objetos frente aos personagens, o que somado a uma fotografia
de tomadas não raro feitas entre vidraças e brechas traz a tona o signo das
barreiras e obstáculos que separam os personagens, tal como visto, por exemplo,
em Carol¹ e Santiago² (Brasil, 2007). Graças a tais metáforas, a
um elenco impecável e a eleição de imagens e sons, como já dito, minimamente
necessários à sustentação do suspense e dos sentimentos abordados é que O Monstro de Mil Cabeças se faz tão
eficiente e, portanto, digno de toda atenção a ele conferida.
__________________
1. Leia mais sobre Carol em http://setimacritica.blogspot.com.br/2016/02/carol.html.
2. Leia
mais sobre Santiago em http://setimacritica.blogspot.com.br/2012/04/cabra-marcado-para-morrersantiago.html.
Ficha Técnica
Título Original:
Un monstruo de mil cabezas
Direção:
Rodrigo Plá
Roteiro:
Laura Santullo
Elenco:
Alejandra Cárdenas, Daniel Giménez Cacho, Emilio Echevarría, Francisco
Barreiro, Harold Torres, Hugo Albores, Ivan Cortes, Jana Raluy, Marco Antonio
Aguirre, Marisol Centeno, Noé Hernández, Sebastián Aguirre, Úrsula Pruneda,
Veronica Falcón
Produção:
Rodrigo Plá, Sandino Saravia Vinay
Fotografia:
Odei Zabaleta
Montagem:
Miguel Schverdfinger
Trilha
Sonora: Jacobo Lieberman, Leonardo Heiblum
Estreia no Brasil: 04/08/2016
Duração: 74 min.
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