Demônio de Neon



Forma que Aprimora o Conteúdo

Durante considerável parte dos créditos iniciais de Demônio de Neon (EUA/Dinamarca/França, 2016), Nicolas Winding Refn mantém suas iniciais junto aos demais nomes apresentados. A partir de tal prática, comumente adotada por cineastas de renome do cinema mudo¹, o diretor afirma com todas as letras que o filme em início é um trabalho de autor, tal qual definido, por exemplo, pelos realizadores da Nouvelle Vague. Dito isso, resta averiguar se o longa-metragem é de fato um exercício cinematográfico peculiar no qual se mostra latente a assinatura de seu criador ou se, ao contrário, a apresentação das inicias de Refn não passa de um ato presunçoso e ególatra.

Inicialmente cabe dizer que a trama sobre uma jovem aspirante a modelo vitimada pelo incômodo que sua beleza causa naqueles que a rodeiam já fora narrada em outras ocasiões seja com radicalismo, como em Viridiana (Espanha, 1961)², seja numa toada poética tal como visto em Beleza Roubada (Reino Unido/França/Itália, 1996), daí que se no conteúdo Refn não inventa a roda, cabe, então, checar se é na forma que o artista impõe seu estilo próprio. Neste passo, a conclusão é agradavelmente positiva na medida em que Demônio de Neon revela uma construção visual e sonora ímpar. Dentro deste contexto, o design de produção clean contrasta com as personalidades imundas das figuras que cercam a protagonista, seres esses não raro inseridos em sequências enigmáticas provavelmente inspiradas por David Lynch. Tais recursos formais, instigantes aos olhos e cérebro, dissipam a obviedade que ameaça pairar sobre a trajetória da personagem principal e transformam seu drama em uma verdadeira história de terror, leia-se filme de gênero. Assim, todas as provocações, sobretudo visuais, feitas por Refn – no que se inclui a polêmica cena de necrofilia – ganham razão de ser uma vez que corretamente buscam causar incômodo e choque, algo que os filmes de horror, em sua grande maioria conformados em pregar sustos baratos, há muito deixaram de fazer, motivo pelo qual é exacerbada a repulsa daqueles que tal como Mariane Morisawa afirmam que “o filme é uma coleção de imagens de certo impacto que perde a força justamente por querer apenas chocar”³.
 Embora dotado de inegáveis méritos, Demônio de Neon ainda não é o filme de autor perseguido por NWR, dado, como já dito, a carência de ineditismo do enredo, característica essa que pode ser estendida até mesmo a Drive (EUA, 2011), seu trabalho de maior sucesso, face as muitas similitudes deste para com Taxi Driver (EUA, 1976). Seja como for, enquanto segue na busca pelo almejado trabalho d’auteur, o dinamarquês tem presenteado a todos com obras provocativas, destemidas e de notáveis qualidades artísticas que denotam que, pretensioso ou não, o cineasta não deita na cama de seu próprio talento, o que deixa a ótima perspectiva de que outras coisas muito boas ainda serão por ele entregues. Aguardemos.
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1.     Um exemplo, nessa toada, pode ser visto em Intolerância de D. W. Griffith (EUA, 1916).
2.     Leia mais sobre Viridiana em http://setimacritica.blogspot.com.br/2010/10/viridiana-religiosa.html.
3.     Revista Preview. Ano 8. ed. 84. São Paulo: Sampa, Setembro de 2016. p.51.
4.     Leia mais sobre Drive e Taxi Driver em http://setimacritica.blogspot.com.br/2012/04/drivetaxi-driver.html

Ficha Técnica

Título Original: The Neon Demon
Direção: Nicolas Winding Refn    
Roteiro: Mary Laws , Nicolas Winding Refn    
Produção: Lene Børglum, Nicolas Winding Refn, Sidonie Dumas, Vincent Maraval
Elenco: Jena Malone, Keanu Reeves, Abbey Lee, Alessandro Nivola, Bella Heathcote, Cameron Brinkman, Charles Baker, Christina Hendricks, Desmond Harrington, Elle Fanning, Helen Wilson, Houda Shretah, Jamie Clayton, Jason Schneidman, Karl Glusman, Rachel Dik, Rebecca Dayan, Stacey Danger, Taylor Marie Hill, Vanessa Martinez
Fotografia: Natasha Braier
Montagem: Matthew Newman
Trilha Sonora: Cliff Martinez
Estreia: 29/09/2016 (Brasil)
Duração: 118 min.

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