O Filme da Minha Vida
Surpresa Negativa
Impressiona como Selton Mello, diretor dos ótimos Feliz Natal (2008) e O Palhaço (2011), fora capaz de cometer
erros tão grosseiros como os vistos em O
Filme da Minha Vida (Brasil, 2017). Esteticamente o filme, que aparenta ser
o de maior orçamento já dirigido por Mello, se vale da primorosa direção de
fotografia de Walter Carvalho que mergulha o design visual do longa-metragem em uma paleta sépia que somada aos
competentes trabalhos de direção de arte e figurino viabilizam a volta ao passado
exigida pela trama. É uma pena, portanto, que tamanha dose de qualidade se
restrinja ao campo da forma e não se mostre também no enredo, um melodrama que
por vezes lembra a toada de certas séries televisivas globais nas quais a pompa
e a perfumaria se sobrepõem ao conteúdo. Neste passo, Mello se atrapalha na
condução da história ao:
-
enxertar humor de maneira nada natural,
-
inserir, igualmente de modo forçado, canções que mesmo quando integrantes da
diegese soam como corpos estranhos em decorrência de nem sempre serem
contemporâneas aos fatos narrados,
-
subvalorizar atores e personagens ao passo em que, exceto pelo protagonista
(defendido por um fraco Johnny Massaro),
nenhum outro ser é explorado a contento em seus dramas e dilemas, aspecto esse
em que surpreende, sobretudo, a falta de aptidão para tratar a figura do pai
adúltero interpretado Vincent Cassel, ator que, como sabido, quando bem
dirigido salva qualquer obra da irrelevância.
Não fosse o bastante, a produção ainda apresenta
pontas soltas e, o que é pior, um inconteste desejo de evitar os conflitos, constatação
frustrante tendo em vista que nos momentos em que a narrativa ameaça engrenar e
até causar certa catarse o que se vê são apenas saídas pela tangente. Tais
problemas – que podem ser fruto do roteiro ou causados por eventuais percalços ocorridos
durante as filmagens, hipótese última essa menos plausível considerando o alto
nível técnico do filme em sua forma – poderiam ser minimizados e quiçá camuflados
se ao menos a questão da cinefilia, tema caro a história, fosse abordada
corretamente, o que não ocorre em virtude de Mello se contentar com citações
nada originais a clássicos como O Mensageiro
do Diabo (1955)¹ e, especialmente,
Rio Vermelho (1948); explique-se: a metalinguagem é aqui usada como uma
muleta desgastada e, por isso, carente de ineditismo, na medida em que, por
exemplo, cartazes de filmes distribuídos pelo cenário já foram há décadas vistos
em realizações de Jean-Luc Godard, Woody Allen e tantos outros, enquanto que a inserção
pela montagem de cenas de outro longa-metragem vistas em paralelo aos eventos
que se desenvolvem na história do filme principal é um artifício poético, se
bem manejado, presente em obras das mais diversas que vão desde E.T (1982) até Cinema Paradiso (1988).
Embora fosse ser um desprestígio ao trabalho de
Walter Carvalho, provavelmente teria sido mais adequado lançar O Filme da Minha Vida no canal aberto e
não nos cinemas, providência que ensejaria uma correta adequação de formato/dispositivo
ao título, dado seu caráter novelesco, e afastaria por completo as comparações
com trabalhos de Federico Fellini e, por conseguinte, a equivocada pretensão de
se atribuir a produção um selo de filme de arte.
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1.Leia Mais sobre O Mensageiros do Diabo em https://setimacritica.blogspot.com.br/2010/10/o-mensageiro-do-diabo.html
Ficha
Técnica
Direção: Selton Mello
Roteiro: Marcelo Vindicatto e Selton Mello, adaptação do livro de Antonio Skármeta
Produção: Vânia Catani, Selton Mello
Elenco: Selton
Mello, Johnny Massaro, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Bia
Arantes, Ondina Clais Castilho, Martha Nowill, João Prates, Antonio Skármeta,
Rolando Boldrin, Erika Januza, Antonio Skármeta, Miwa
Yanagizawa.
Música: Plínio Profeta
Fotografia: Walter Carvalho
Direção de Arte: Claudio Amaral
Peixoto
Figurino: Kika Lopes
Estreia no Brasil: 03.08.2017
Duração: 113
min.
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