Lucky
Amenidades Gratificantes
Pouco antes de morrer o ator Nelson
Xavier protagonizou dois filmes que eram verdadeiras manifestações de adeus para
a vida, quais sejam A Despedida (2014)
e Comeback (2016), sendo ambos dramas que retratam os últimos passos de um
ancião que ciente da aproximação da morte dribla o medo provocado por sombra
tão funesta cumprindo derradeiras tarefas capazes de acertar contas pendentes e
proporcionar alguns instantes de prazer.
Recentemente Jim Jarmusch voltou a colher elogios mundo afora graças a Paterson (2016), longa-metragem cujo
roteiro se dedica ao cotidiano e a beleza não raro encontrada em ocasiões
triviais. Despida de eventos contranaturais em sua trama, a produção despretensiosamente
retrata a ordinariedade do dia a dia de um homem comum. Simples assim.
Por que a menção a obras
aparentemente tão díspares? Porque Lucky (EUA,
2017) efetua uma espécie de fusão das duas toadas exemplificadas ao narrar a
rotina de um idoso que, convicto da necessidade de continuar morando sozinho,
se apavora a cada vez que a morte parece dele se avizinhar. Com efeito, Lucky
não arranja para si compromissos voltados a sanar dívidas acumuladas nem busca
por aventuras juvenis que o façam se sentir serelepe e viril, optando, ao
contrário, por manter seus afazeres de outrora, porém, com um diferencial que o
ocaso lhe descortina, qual seja a possibilidade de se permitir estreitar
o convívio com pessoas às quais não atribuía importância e de ouvir com mais atenção os
outros para, assim, compreender suas dores e anseios, alteração de postura que, felizmente, não
chega a tornar o protagonista uma figura beata, simpática e risonha,
afinal, mesmo quando reconhece suas fraquezas e/ou quando demonstra empatia
para com o próximo o faz de um modo meio ranzinza que não deixa de ser
cativante, mistura de características essa que só atores excepcionais conseguem
atribuir a uma atuação, o que, como sabido, é o caso de Harry Dean Stanton, um
artista de extremo talento que na obra em comento, tal como fizera Nelson
Xavier, se despede das telas e do público não sem antes quebrar a quarta parede
com um olhar tão emocionado e repleto de gratidão como aquele dado por Charlie
Chaplin ao término de Luzes da Cidade (1931).
Por certo, colabora para fazer de
Lucky um ser envolvente a qualidade dos diálogos por ele travados, aspecto esse
primordial para um filme que se debruça sobre o anfêmero e que não conta, como já
dito, com a presença de fatos incomuns. Neste sentido, entre tantas conversas saborosas, destacam-se aquela travada entre o protagonista e seu médico, além daquelas
ocorridas no interior de um bar com um excêntrico amigo atordoado pela fuga de
um cágado - personagem interpretado por David Lynch, cuja escalação, aliás, se
revela um lance de extrema inteligência do diretor John Carroll Lynch na medida em que a excentricidade de tal figura se confunde,
positivamente, com a do próprio Lynch que, não à toa, tira de letra a
incumbência a ele conferida.
Poética, por vezes nostálgica,
engraçada e reverenciadora a excelente estreia de Carroll Lynch na cadeira de direção é um trabalho que evoca a satisfação de gozar o
presente e seus corriqueiros momentos de poesia, a despeito de todos os males
da sociedade e do quão sombrio o futuro pode ser. Brilhante.
Ficha Técnica
Direção: John Carroll
Lynch
Roteiro: Drago Sumonja, Logan Sparks
Produção: Adam Hendricks, Danielle Renfrew Behrens, Drago
Sumonja, Greg Gilreath, Ira Steven Behr, John H. Lang, Richard Kahan
Elenco: Amy Claire, Ana Mercedes, Barry Shabaka
Henley, Bertila Damas, Beth Grant, Dan Gruenberg, David Lynch, Ed Begley Jr.,
Harry Dean Stanton, Hugo Armstrong, James Darren, Mikey Kampmann, Otti Feder,
Ron Livingston, Sarah Cook, Tom Skerritt, Ulysses Olmedo, Yvonne Huff
Fotografia:
Tim Suhrstedt
Trilha
Sonora: Elvis Kuehn
Montagem: Robert
Gajic
Duração: 88 min.
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