Aos Teus Olhos



 Admirável Mundo Novo

Aos Teus Olhos (Brasil, 2017) é um dos filmes que melhor consegue compor o retato de uma época a partir dos recursos tecnológicos a ela comuns, daí Carol Prado afirmar que a produção “acerta ao abrir mão da atemporalidade para trazer a discussão à realidade caótica e fragmentada de 2018”¹. Trocando em miúdos, o longa-metragem investiga os efeitos da exposição em redes sociais de um professor de natação acusado de pedofilia e, corretamente, toma o cuidado de não ser partidário, na medida em que analisa o poder de devastação que em segundos uma denúncia, séria ou temerária, publicada na internet consegue alcançar - não obstante a inexistência de conclusões da polícia que confirmem a prática criminosa - evitando, dentro deste contexto, a vitimização do suposto criminoso, visto que sua responsabilidade pelo ocorrido não deixa jamais de ser cogitada, afinal, trata-se de um homem que:

- não se esquiva de experimentar pequenos jogos de sedução com os adolescentes da escola na qual trabalha (no que se incluem alguns que quando mais novos foram seus alunos);
- demonstra dificuldade para responder de forma objetiva se cometera a ilicitude e/ou se possui algum fetiche que o transforma em pedófilo.
Coerente, a diretora Carolina Jabor relativiza também o comportamento dos pais da criança supostamente molestada, isso porque, embora duro com a escola e com o professor, o pai interpretado de maneira minuciosa por Marco Rica não se esquiva de manifestar dúvidas sobre a veracidade do abuso infantil seja diante da ex-mulher, seja quando comparece até uma Delegacia de Polícia e ali se mostra praticamente incapacitado de tecer qualquer relato, tendo em vista que sequer ouvira qualquer reclamação contra o instrutor de nado por parte do rebento – com quem, aliás, pouco conversa e muito cobra.
Nesta toada, a ambiguidade é um recurso utilizado com enorme inteligência pelo roteiro que, por vezes, dispensa, inclusive, o uso de diálogos para tanto, senão vejamos: logo na cena inicial o protagonista, dentro de seu automóvel, despeja colírio nos olhos pouco antes do início do seu expediente, ato que o espectador se apressa a interpretar como uma tentativa de camuflagem de vestígios deixados pelo uso de maconha. Tal julgamento perdura no inconsciente até minutos depois quando o personagem repete o gesto nos segundos que antecedem sua entrada em uma piscina, ocasião que implode a especulação precoce de outrora, eis que nítido se torna que o artefato na verdade serve àquele como proteção aos globos oculares rotineiramente expostos ao cloro em virtude de sua profissão.

Em um ambiente onde os corpos sempre tão à mostra são instrumentos de ensino e de aprendizado, o contato físico entre professores e aprendizes não raro se faz necessário, circunstância que impede a permanência em tal local de uma figura suspeita como Rubens, daí sua presença passar a ser combatida tal como se já tivesse sido judicialmente declarado culpado. Desta feita, independentemente de ser adiante constatada a inocência daquele profissional, sua reputação já restara maculada em definitivo, o que justifica o final em aberto que de imediato pode desagradar, mas que não tarda a se anunciar correto.
Neste diapasão, vale salientar que o fato de não definir se o personagem principal fora acertada ou equivocadamente acossado e julgado pelos tribunais virtuais não significa dizer que Jabor se mantém em cima do muro, eis que claro é seu posicionamento contrário a utilização irresponsável de redes sociais e afins, bem como sua aversão contra os efeitos nocivos decorrentes de tal prática. A opção de conferir ao público a incumbência de considerar o protagonista culpado ou inocente não exime a cineasta de agregar à controvérsia, com elegância , fatores extras de polêmica que, por certo, ajudam a acalorar o debate, aspecto esse no qual se destaca a sequência em que a diretora da escola, abalada, pondera que não tardará o dia em que professores não poderão encostar um dedo sequer nos alunos, ao passo que na época em que ministrava aulas era comum a mesma até tomar banho nua com aqueles. Uma vez que traz à memória o caso da performance no Museu de Arte Moderna em São Paulo na qual um adulto nu fora tocado por crianças², tal fala se revela bastante questionável, tendo em vista que parece minimizar a importância de se manter vigília constante sobre crianças como forma de mantê-las afastadas de molestadores - que, como sabido, não raramente estão mais próximos do que se imagina. Ainda que criticável o teor do que é dito por tal personagem, a presença de tal conteúdo enquanto ferramenta de provocação da plateia consiste em um tiro certeiro de Jabor que, ao invés de entregar tudo mastigado, prefere, tal como fazem os grandes cineastas, enriquecer seu trabalho espalhando por ele possibilidades interpretativas capazes de torná-lo resistente ao tempo, a despeito do quão entrelaçado seja ao comportamento atual tão moldado pelos gadgets do momento.
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1.'Aos teus olhos' mostra como internet cria boato e o torna letal em 24 horas; G1 já viu. Disponível em https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/aos-teus-olhos-mostra-como-internet-cria-boato-e-o-torna-letal-em-24-horas-g1-ja-viu.ghtml. Acesso em 19.04.18.

2.   Mais detalhes sobre o caso em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/interacao-de-crianca-com-artista-nu-em-museu-de-sp-gera-polemica.ghtml. Acesso em 28.04.18.

 


Ficha Técnica

Direção e Produção: Carolina Jabor
Elenco: Daniel de Oliveira, Gustavo Falcão, Luisa Arraes, Luiz Felipe Mello, Malu Galli, Marco Ricca, Stella Rabello
Roteiro: Lucas Paraizo
Fotografia: Azul Serra
Trilha Sonora: Sergio Mekler Thiago Nassif
Montagem: Sergio Mekler
Estreia: 12/04/18                
Duração: 87 min.

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