Querido Menino
Lugar de
Destaque
Filmes que retratam a decadência de
jovens consumidos pelas drogas não são novidades no universo cinematográfico,
vide, por exemplo, os casos de Eu,
Christiane F. 13 anos, Drogada e Prostituída (Alemanha, 1981) Diário de um Adolescente (EUA, 1995) e Aos Treze (EUA, 2003). Pertencente a
essa categoria, Querido Menino (EUA,
2018) encara as convenções do gênero (tais como os altos e baixos
da rehab bem como a derradeira
palestra motivacional proferida pelo protagonista¹) sem se limitar a condição
de mais do mesmo, ao passo que a produção toma o cuidado de trilhar rotas que lhe
confiram personalidade própria. Nesta toada, chama atenção de forma positiva a
divisão de foco da narrativa, na medida em que interessa mais para a obra
entender a repercussão da dependência química de um adolescente no seio
familiar do que explorar os caminhos que o levaram a esse estado, contexto esse
em que são descortinadas as aflições do pai do garoto, além de suas sensações
de impotência e de fracasso quanto a educação do rebento.
Desta feita, Querido Menino seleciona aquilo que de mais importante há para
mostrar quanto aos sentimentos do filho e do genitor resultado obtido porque o
roteiro se baseia nas memórias que ambos externaram em seus respectivos livros,
o que amplia não só o panorama como o envolvimento e a empatia da plateia,
sobretudo, para com a figura do chefe de família que a despeito de toda sua
dedicação para com o descendente mais velho é também mostrado como um ser falho
que acaba negligenciando a boa convivência com o restante de seus entes
próximos, além de ser alguém que ora se rende ao cansaço lavando as mãos e
deixando o filho de lado e ora se deixa levar pelas mesmas sensações perigosas
de prazer que culminaram na desgraça do primogênito.
Felizmente os desvios de conduta dos
personagens principais não são submetidos a julgamentos morais, já que, ao
contrário, o que se percebe é um empenho do longa-metragem em compreendê-los,
meta alcançada com êxito graças ao exímio trabalho de adaptação do roteiro
sobre os materiais literários supracitados, elemento fílmico esse valorizado
pela montagem que mistura passado e presente em momentos cruciais porque responsáveis
por tornar ainda mais dolorosas as lembranças de um homem saudoso do tempo em
que tendo o filho sob controle com ele integrava um núcleo familiar feliz.
Neste diapasão, qualquer risco que
a obra porventura corresse de soar piegas é dissipado pela interpretação de Timothée Chalamet e principalmente pelo desempenho grandioso de Steve
Carell que - no melhor papel dramático de sua carreira desde Pequena
Miss Sunshine (EUA, 2006) - consegue, sem derramar uma
lágrima e apenas com a força do olhar, expressar toda dor, desespero, revolta,
medo e desesperança de um pai que vê falharem uma a uma as suas tentativas de
salvar o filho.
Com
efeito, Cássio
Starling Carlos manifesta semelhantes pensamentos sobre o título quando assim
afirma:
“O equilíbrio entre sobriedade e picos de descontrole nos
desempenhos de Chalamet e Carell impede o longa de cair na vala comum dos
dramalhões. A contenção também atrai o interesse mais para o relevo psicológico
do drama do que só para a qualidade das performances.
Tais cautelas levam “Querido Menino”
a se distinguir no nicho
das histórias de vício, que com frequência
tropeçam na mensagem
moralizante. Alcoolismo, drogas ou
dependências químicas e físicas
costumam ser tratadas pelo cinema apenas de ângulos negativos, como abismos que consomem os
personagens.
A distância que [o diretor] Groeningen toma do material
original, as memórias reais de Nic e David Scheff, introduz nuances nesse
padrão. O mais relevante é o espaço dado à dimensão prazerosa da droga, algo
que os filmes tendem a anular quando priorizam as desordens e a destrutividade
da dependência.
[...] as cenas que traduzem a “viagem”
química revelam como o prazer
é fundamental para entender a experiência. Sem ele, as tentativas de retratar as drogas ou os vícios têm o mesmo efeito de
sermões”².
Cabe
acrescentar que as emoções suscitadas pelo enredo são enaltecidas com o uso de canções
- em grande parte extradiegéticas - precisamente escolhidas, recurso que somado
as demais opções estéticas corretamente implementadas e as mencionadas
interpretações irretocáveis do elenco garantem a Querido Menino um lugar de destaque em meio ao filão a que se vincula.
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1. Também recorrente é a utilização da música Beautiful Boy, de John Lennon, como instrumento
ilustrativo do amor de um pai pelo filho (que não tardará a apresentar problemas),
tal como visto em Mr. Holland – Adorável
Professor (EUA, 1995).
2. 'Querido
Menino' aborda o vício sem tom moralizante. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/02/querido-menino-aborda-o-vicio-sem-tom-moralizante.shtml.
Acesso em 19/03/2019.
Ficha Técnica
Título Original: Beautiful Boy
Direção: Felix Van Groeningen
Roteiro: Felix Van
Groeningen, Luke Davies, baseado nos livros de Nic Sheff e David Sheff
Produção: Brad Pitt, Dede Gardner,
Jeremy Kleiner
Elenco: Amy
Forsyth, Amy Ryan, Andre Royo, Christian Convery, Edward Fletcher, Jack Dylan
Grazer, Jeff Adler, Julian Works, Kaitlyn Dever, Kue Lawrence, Mandeiya Flory,
Marypat Farrell, Maura Tierney, Oakley Bull, Ricky Low, Sasha Kelly Jackson,
Stefanie Scott, Steve Carell, Timothée Chalamet, Timothy Hutton
Fotografia: Ruben Impens
Montagem: Nico Leunen
Estreia: 14/02/2019 (Brasil)
Duração: 120 min.
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