As Aventuras de Pi
A Aura em Tempos de
Virtualidade
Ao analisar As Aventuras de Pi (EUA,
2012) Isabela Boscov ressalta que o filme de Ang Lee funde “ação real e computação gráfica com
virtuosismo ímpar” na medida em que um de seus protagonistas é “um tigre feito em computador, mas
insanamente felino em todos os pormenores e até na ‘aura’, por assim dizer”¹.
Essa descrição traz à lembrança a teoria de Walter Benjamin sobre a obra
de arte na era da reprodutibilidade técnica, visto que, para o teórico, a
tecnologia capaz de reproduzir cópias de um trabalho artístico teria o condão
de macular a aura existente no produto de origem² – não obstante a
inquestionável popularização e democratização obtida pela arte a
partir de tais técnicas.
Dito isso, As Aventuras de Pi indica
novos rumos para a relação 'tecnologia x aura' apontada por Benjamin, ao passo em
que lança mão da virtualidade para construir um ser na prática inexistente, mas
dotado de tamanhos instintos e comportamentos típicos de sua espécie
que inevitável é vê-lo como algo real - essa falsa sensação de realidade, aliás,
se deve justamente a percepção de que aquele animal possui sim uma aura que o
leva, de modo tão obstinado quanto seu parceiro de naufrágio Pi, a lutar pela
sobrevivência.
Assim, se no passado os avanços tecnológicos foram vistos como
responsáveis por limar a aura da arte, agora podem ser encarados contrariamente
eis que hábeis a, de modo inverso, criar a mesma. É claro que essa não é a
primeira tentativa nesse sentido³, todavia, em se tratando de uma abordagem
poética mais abraçada com a noção de aura tal como delineada por Benjamin, As Aventuras de Pi, na figura do tigre Richard Parker, fora a obra que até
agora obteve os resultados mais significativos.
Ressalte-se, ainda, que o longa-metragem ainda faz uma rápida abordagem
sobre os muitos caminhos da fé e da religião percorridos por Pi⁴, embora para
Ang Lee esse viés sirva apenas de introdução a personalidade de um garoto que,
graças ao cultivo de uma imensa espiritualidade, consegue permanecer buscando
um sentido para tudo, ainda que não raro deixe de vê-lo, o que, conforme a
precisa ótica de I. Boscov revela por parte da produção uma “tentativa de entender o ser, e mais ainda de
compreender porque o homem quer sempre continuar sendo, mesmo perante os mais
duros testes, em face das mais tristes perdas e entre as mais eternas
desesperanças”⁵.
Por fim, se o nome Pi, além da constante 3,14, também pode ser compreendido como a
relação entre todos os segredos do universo, o nome Richard Parker, por seu
turno, traz em si a carga de tragédia e de tristeza aos poucos contornada pelo
passar do tempo e pela vontade de seguir adiante. Aurático isso, não?
__________________
1. Revista Veja. Ed. 2299. Ano 45. N° 50. São
Paulo: Abril, 12.12. 2012. p.201.
2. Segundo
W. Benjamin: “O aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade
(...). A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade
técnica (...) a reprodução substitui a existência única da obra por uma
existência serial” (FONTE: ‘A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica’ in Magia e Técnica, Arte e
Política. p. 167-8).
3. O
urso Ted da comédia homônima de 2012 também pode ser inserido nesse contexto.
4. Aspecto esse que, vale dizer, aproxima o livro
original de Yann Martel de outra obra literária, qual seja A Viagem de Théo de Catherine Clément.
5. Op.
Cit.
FICHA TÉCNICA
Título Original: Life of Pi
Diretor: Ang Lee
Produção: Ang Lee, Gil
Netter, David Womark
Roteiro: David Magee,
baseado na novela Yann Martel
Elenco: Tobey Maguire, Irrfan Khan, Gérard Depardieu, Suraj Sharma, Adil
Hussain, Ayush Tandon
Fotografia: Claudio Miranda Trilha Sonora: Mychael
Danna
Estreia no
Brasil: 21.12.2012 Estreia
Mundial: 28.09.2012
Duração: 129 min.
Curiosidade: O ateliê de efeitos digitais Rhythm & Hues teve então de criar um
felino de verossimilhança infalível. A equipe modelou seu animal digital como
se fosse um experimento biológico: construiu-o a partir do esqueleto, ‘estendeu’
os músculos sobre os ossos seguindo a anatomia real dos tigres, prendeu a pele
aos músculos e por fim despendeu milhares de horas/máquina tornando a pelagem
realista” (Revista
Veja. Ed. 2299. Ano 45. N° 50. São
Paulo: Abril, 12.12. 2012. p.201).
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