Cinema Verité
É Tudo Verdade?
Em 1971 um
programa de televisão se propôs a acompanhar, in loco, o cotidiano dos Loud, uma
típica família norte-americana de classe média alta. Nascia assim o primeiro
reality show e suas consequentes discussões sobre invasão de privacidade.
Uma vez
pioneira dentro desse segmento, a produção ainda padecia da falta de fronteiras
bem delimitadas. Enquanto para o produtor Craig Gilbert aquela não passava de
uma oportunidade inovadora de angariar as benesses advindas da alta audiência –
cujo ponto de vista era devidamente manipulado seja pelos cortes da edição,
seja pela própria intervenção daquele profissional que, desprezando qualquer
toada documental que pudesse ser atribuída ao projeto, preferia funcionar como
uma espécie de instância narrativa concentrada em ditar os rumos a serem
tomados pela “história”¹ – para a equipe de filmagem prevalecia, por outro
lado, o desejo de se assemelhar ao tão falado cinema verdade sobre o qual
europeus como Jean Rouch se debruçavam².
Neste último
aspecto, a ausência de uma tecnologia capaz de preencher a residência da
família com câmeras automáticas, tornava imprescindível a presença física dos
cinegrafistas ao lado dos seres retratados, o que, além de firmar laços de
afeto e responsabilidade entre as partes, fazia cair por terra qualquer
imparcialidade pretendida.
Cinema Verité (EUA, 2011), dentro deste contexto, alcança todas essas notas ao fazer
da ambiguidade dos personagens um espelho da própria ambiguidade do programa.
Para tanto, de grande colaboração se mostram as performances de Diane Lane e
Tim Robbins que juntos vivificam uma felicidade de fachada prestes a ruir.
James Gandolfini, por seu turno, se junta a dupla para tornar ainda mais dúbias
as relações humanas e profissionais abordadas³. A partir do momento em que cada
um desses três revela suas reais essências, o reality show também assim se
mostra, num processo até compreensível em se tratando de um intermitente
sistema, emocional, de vigilância.
Taí um filme
que George Orwell talvez gostasse de assistir...
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1. Vale dizer que a estratégia do produtor Craig Gilbert para vender o
produto à recém-nascida TV pública norte americana já indicavam as futuras
e até hoje comuns inquietações sobre o caráter oportunista e/ou antropológico de
produções desse tipo na medida em que o discurso daquele firmava o programa
como uma “experiência em antropologia
cultural”, “semelhante às que a
antropóloga Margareth Mead realizara em Samoa e na Nova Guiné nos anos 1920 e
30”. Neste diapasão, “em vez de
buscar o ‘exotismo’ de culturas distantes”, Gilbert propunha “observar de perto a sociedade americana, na
época sacudida de alto a baixo por rupturas sociais, comportamentais, sexuais,
culturais” (FONTE: BAHIANA, Ana Maria. Cinema
Verité: o estranho legado do primeiro reality show da TV. Disponível no
sítio http://anamariabahiana.blogosfera.uol.com.br/2011/04/27/cinema-verite-o-primeiro-reality-show-e-seu-estranho-legado/.
Acesso em 12.01.13).
2. Cinema direto é uma designação que se confunde com cinema-verdade, teorizado por Dziga Vertov (Kino-Pravda)
e batizado por Jean Rouch como cinéma vérité.
O conceito surge no final dos anos cinquenta e refere-se, na teoria
e prática, a um gênero de documentário que se empenha em captar, sem fins didáticos
ou de ilustração histórica, a realidade tal e qual ela é, isto é, que
procura "reproduzir" aquilo que na realidade acontece. É um cinema
do real que, admitindo um certo grau de subjetividade enquanto forma de expressão,
a procura ultrapassar pelo uso de técnicas que garantem a fiabilidade ao objeto
ou evento reproduzidos pela câmara, instrumento tão rigoroso como, por exemplo,
a fita métrica, usada para medir o tamanho de um determinado objeto. Assume-se,
nas suas aplicações, como ferramenta científica ao serviço da verdade. Filmando
o Homem, a máquina será um meio privilegiado ao serviço da antropologia (ou da etnografia,
enquanto filme etnográfico), quer como instrumento de registro e de pesquisa (research
footage) quer como objeto de estudo naquilo que produz (record fotage),
na ficção ou no documentário (FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_directo.
Acesso em 12.01.13).
3. É certo que a narrativa acaba se concentrando em demasiado nesses três
seres, deixando, por conseguinte, de explorar mais a fundo outros interessantes
papeis como os dos já citados cinegrafistas, além, é claro, do filho
homossexual que perante as câmeras e holofotes instiga questionamentos sobre
até que ponto seu comportamento é fruto de uma teatralidade deliberada ou
natural. Essa opção de centrar a trama sobre um número reduzido de personagens
não deixa de ser uma escolha válida em termos de narratologia, porém,
inevitavelmente angaria ao telefilme certo ar de incompletude.
Ficha Técnica
Direção: Shari
Springer Berman, Robert Pulcini
Roteiro: David Seltzer Produção: Karyn McCarthy
Elenco: Dendrie Taylor (Sally)Diane Lane (Pat Loud)Emilio Rivera (Watchman)Jake Richardson (Tommy Goodwin)James GandolfiniJames Urbaniak (Dick Cavett)Kaitlyn Dever (Michelle
Loud)Kathleen Quinlan (Michelle
Loud)Lolita Davidovich (Val)Nick Eversman (Grant Loud)Patrick Fugit (Alan Raymond)Robert Curtis Brown
(Anthropologist)Sean O'Bryan (Johnny Hall)Shanna Collins (Susan
Raymond)Stephen Caffrey (Tom)Thomas Dekker (Lance Loud)Tim Robbins (Bill Loud)
Fotografia:
Affonso
Beato Trilha sonora:
Rolfe
Kent
Duração: 91 min.
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