Elena
A
Dor e o Encanto
Segundo
Amir Labaki:
“Por muito tempo, sobretudo devido ao impacto da
escola griersoniana de documentário didático socialmente engajado, a obra não
ficcional no cinema buscou o outro, não o universo específico do próprio
cineasta. A videoarte confessional dos anos 1970 e 1980 foi um marco de
ruptura, que acabou influenciando a renovação do documentário com o impacto do
digital a partir da década de 1990”¹.
Dentro
deste contexto, produções como Santiago
(Brasil, 2007) evidenciam uma recente tendência do documentário brasileiro,
qual seja voltar-se “para temas próximos
a vida dos diretores, evitando-se filmar apenas o ‘outro’”². Neste passo,
surge a figura do documentário subjetivo no qual o cineasta participa dos fatos
e interage com personagens na condição de sujeito interessado, uma vez que
protagonista “de um processo de busca
pessoal”³ no qual “a pessoa do
realizador se funde numa espécie de personagem que protagoniza a busca”⁴-⁵.
O documentário subjetivo, vale frisar, pode ainda
lançar mão de uma toada ensaística que
“articula modos de abordagem e composição
variados, objetos e discursos heterogêneos”₆ estabelecendo, desta feita, “ecos entre imagens, sons e acontecimentos”⁷
para, assim, constituir um filme cuja essência parte “do princípio de que imagem é um dado a ser trabalhado e relacionado com
outras imagens e sons, e não mera ilustração de um real preexistente”⁸.
. Por
seu turno, Mariane Morisawa batiza como documentários biográficos os trabalhos
baseados nas próprias histórias de vida de seus criadores. De acordo com esta:
“Muitos documentaristas brasileiros optam
por começar [...] sua carreira com
relatos em primeira pessoa e que se voltam a personagens próximos [...]. Aproximando-se de quem está ao redor, esses
cineastas em geral investigam a si próprios”⁹, o que resulta numa “visão realmente particular e única, porque
próxima e afetada pela relação pessoal que nenhum outro cineasta no mundo seria
capaz de ter”¹⁰.
Dito
isso, Elena (Brasil, 2012) configura exemplo
de documentário biográfico/subjetivo eis que explora as memórias da diretora
Petra Costa acerca de sua irmã falecida em 1990. Logo, Elena serve de instrumento para a cineasta compreender de que forma
aquela perda influenciara em seu crescimento e formação, bem como o que
motivara aqueles que ficaram a seguirem com suas vidas.
Elena fala
sobre dor mas o faz com imensa beleza e poesia. Com efeito, Petra Costa,
auxiliada por primorosos trabalhos de fotografia e de edição, transforma em
imagens o estado de espírito ora nostálgico ora angustiado da sua mãe, de sua
irmã e dela própria – daí o escritor
Eduardo Bueno haver afirmado que
Petra encontrara um jeito de filmar a alma¹¹ – expondo, desta feita,
gradativamente a intimidade de sua família sem jamais ser piegas nem exagerar
na indulgencia. Neste diapasão, a cineasta demonstra respeito aos motivos que
levaram Elena a ceifar a própria vida, não perdendo tempo, desse modo, com
questionamentos que poderiam soar inúteis. O que interessa para ela é fazer um
retrospecto de quem fora Elena ao longo de seus breves vinte anos de vida, seu
amor pelas artes e a influência exercida nos que lhe eram próximos. E é neste
último ponto que as irmãs por vezes se confundem e passam a ser uma só pessoa, tornando
Elena talvez o exemplo mais superlativo
e latente de fusão entre um diretor e seu personagem/objeto de abordagem.
O
documentário, por certo, é produto do longo processo de superação da dor que
Petra confessa ter experimentado, sendo muito provavelmente a maneira final
encontrada por ela para exorcizar o sofrimento deixado pelo fantasma da cruel morte
da irmã. Elena retrata o drama
enfrentado por uma família em seu íntimo, o que em momento algum impede que o
filme goze de uma ressonância universal, êxito esse garantido face a habilidade
de Petra em ser contida e concisa e graças a singularidade de uma linguagem
cinematográfica capaz de simultaneamente machucar e encantar.
__________________
1.MORISAWA, Mariane. Pessoal e Intransferível. In. Revista Língua Especial. Cinema & Linguagem. São Paulo:
Segmento. Outubro de 2011. p. 17.
2-4. LINS,
Consuelo e MESQUITA, Cláudia
Mesquita. Filmar o real: sobre o
documentário brasileiro contemporâneo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p.
75/51/52.
5. Neste sentido, Mariane
Morisawa alerta que “a vontade de chegar
à verdade pode passar por caminhos supostamente ficcionais, gerando uma
discussão sobre o que é real. [...] Os
limites atenuados entre ficção e o documentário parecem transformar o
documentário em algo que não é totalmente real”. De qualquer forma, “o recurso
a instrumentos ficcionais pode romper com o dogma do ‘totalmente real’ mas
ainda assim vir carregado de verdade” (Pessoal e Intransferível. In. Revista Língua Especial. Cinema &
Linguagem. São Paulo: Segmento. Outubro de 2011. p. 20-1).
6-8.
LINS, Consuelo e
MESQUITA, Cláudia Mesquita. Filmar o
real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2011. p. 55.
9-10. Pessoal e
Intransferível. In. Revista Língua Especial.
Cinema & Linguagem. São Paulo: Segmento. Outubro de 2011. p. 17/21.
11. Debate com
Petra Costa, Jorge Furtado e Eduardo Bueno em Porto Alegre. http://www.elenafilme.com/noticias/debate-com-petra-costa-jorge-furtado-e-eduardo-bueno/#sthash.3NpBE18A.dpuf.
Acesso em 15.08.13.
Ficha Técnica
Direção: Petra
Costa
Roteiro: Petra Costa e Carolina Ziskind
Fotografia: JANICE D’AVILA, WILL ETCHEBEHERE e MIGUEL
VASSY
Edição:
Marilia Moraes e Tina Baz
Trilha Sonora: VITOR ARAÚJO,
FIL PINHEIRO, MAGGIE HASTINGS CLIFFORD e GUSTAVO RUIZ
Estreia no Brasil: 10.05.2013
Duração: 82
min.
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