Capitão Phillips
A Vez da Semiótica
São diversos os que afirmam – de forma
por vezes até exacerbada, convenhamos – que Gravidade
funciona como uma metáfora do estado de isolamento no qual o homem moderno tem
se esmerado em permanecer, bem como dos traumas, complexos e medos que
comumente o impedem de prosseguir, de olhar para o futuro. Se o filme de
Alfonso Cuarón é tudo isso mesmo ou se, por outro lado, não passa de mero
entretenimento de grife não vem ao caso discutir nesse momento, pois o que
realmente importa dentro deste contexto é citar e se valer da semiótica presente
em tais análises, instrumento esse que acabara se afastando do nicho
intelectualóide ao qual tradicionalmente se filiara para, repentinamente, proliferar
em análises populares.
Com efeito, uma vez que
interpretações mais abrangentes tem vivido dias de ordinariedade, cabe
aproveitar a ocasião para compreender Capitão
Phillips conforme essa toada, isso porque, em suas entrelinhas, a obra
apresenta frequentes simbolismos em torno de uma atividade diariamente
testemunhada: o combate encarado pelo macho alfa no intuito de manter o poder e
a liderança sobre os demais membros do bando. Nesse sentido, a competição
permeia o longa-metragem de ponta a ponta seja entre os marítimos e militares
norte-americanos, seja entre os piratas somalis, seja entre o comandante refém
e o comandante sequestrador. Tal disputa de testosterona – sim, mulheres não compõem
esse cenário – aliada a própria prática da pirataria denotam que por maiores
que tenham sido as mudanças percebidas no mundo - conforme o teor da conversa
dos personagens de Tom Hanks e Catherine Keener vista na sequência de abertura
- certos comportamentos e tendências são atemporais e universais. Machos
disputam entre si pela honra, pelo orgulho, pelo domínio alheio o que numa
perspectiva macro leva ao embate de nações, aos conflitos internacionais que
conhecemos.
Esse viés, ressalte-se, constitui
o grande diferencial de Capitão Phillips,
considerando que sua narrativa em muito lembra outro trabalho de Paul
Greengrass, qual seja o espetacular Voo
United 93. Enquanto neste último o público fora submetido a um ritmo
frenético montado para simular em tempo real a agonia das vítimas daquele outro
sequestro, em Capitão assiste-se uma
narrativa mais cadenciada – afinal, o tempo no mar é outro – que, entretanto, não
se traduz em vagareza, eis que o modus
operandi do diretor permanece o mesmo: tom documental, câmera na mão, cortes
mil e muitos closes para, assim, recriar a tensão experimentada na realidade,
tarefa que, aliás, Greengrass repete com o mesmo êxito de outrora, resultado esse
que o firma, sem exagero, como o cineasta que atualmente melhor sabe filmar
histórias cujos desfechos já são conhecidos.
Se, a despeito das entrelinhas
acerca do universo masculino, Capitão Phillips
ainda assim em muito dialoga com Voo
United 93, já próximo ao término uma guinada confere em definitivo para a
produção em comento uma personalidade própria que a afasta da sombra do
antecessor. O responsável por esse feito? Tom Hanks. Nos minutos finais todos
os elogios a sua atuação passam a fazer sentido, lembrando-nos que ele é não
apenas o ator dos papeis premiados mas também aquele de desempenhos fabulosos e
subestimados como os de Náufrago e O Resgate do Soldado Ryan. Próximo a
conclusão do drama, Hanks faz o espectador esquecer que está diante de uma
estrela para, ato contínuo, crer que aquele nada mais é que um homem comum
envolto em uma situação extraordinária. Ao lado dos coadjuvantes que
brilhantemente interpretam os corsários, Hanks é o elemento que agrega valor
extra a tensa e econômica misé-èn-scene
de Greengrass. Ainda que o cineasta não abra espaço para firulas dramáticas,
contentando-se tão somente com a recriação dos eventos reais e de toda a
aflição neles envolvida, Hanks injeta humanidade ao drama sem soar piegas,
deixando todos de nó na garganta e o filme arrebatador em sua conclusão.
Pelo visto, juntos, Hanks e
Greengrass podem filmar desde a vida de Cristo até a Operação Valquíria que,
por instantes, iremos ignorar como essas histórias terminam e roeremos as
unhas.
Ficha Técnica
Título Original: Captain Phillips
Direção: Paul Greengrass
Roteiro: Billy Ray
Elenco: Tom Hanks, Catherine Keener, Max
Martini, Corey Johnson, Barkhad Abdi, David Warshofsky, Barkhad
Abdirahman, Faysal Ahmed, Mahat
M. Ali, Michael Chernus, Mohamed Ali, Issak
Farah Samatar
Fotografia: Barry Ackroyd
Trilha Sonora: Henry Jackman
Edição: Christopher
Rouse
Estreia no Brasil: 08.11.2013 Estreia Mundial: 11.10.13
Duração: 134 min.
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