Acima das Nuvens
Dicotomias
em Voga
Acima das Nuvens (Alemanha/França/Suíça,
2014)
em muitos aspectos dialoga com Birdman
Ou (A Inesperada Virtude Da
Ignorância) (EUA, 2014), afinal, tal como na produção
oscarizada, o roteiro de Olivier Assayas discorre sobre os meandros da
produção artística, sobretudo teatral, sem deixar de lançar um olhar irônico em
direção ao cinema de entretenimento e sua rasa profundidade. Não fosse o
bastante, ambos os filmes ainda se esmeram em estreitar os laços entre a ficção
dos personagens a serem interpretados no palco e a realidade de seus
respectivos intérpretes; contudo, diferentemente do trabalho de Alejandro
González Iñárritu, Assayas não se debruça sobre os bastidores da pré-produção
executiva do espetáculo teatral, optando, em contrapartida, por concentrar suas
forças no processo de preparação das atrizes para com os papeis que irão
vivificar, aspecto esse no qual a fusão entre personagem e “pessoa real” vai
pouco a pouco ocorrendo de maneira não saliente e explícita como em Birdman¹ mas sim de modo gradual e
fluído, sendo o espectador pego meio que de surpresa nesse sentido – o que
muito lembra aquilo que o brasileiro Eduardo Coutinho fizera em Jogo de Cena² (Brasil,
2007).
Dentro deste contexto, Assayas aproveita para fundir o jogo de
espelhos entre ator e personagem com a discussão sobre a qualidade do cinema
popular e o valor daqueles que nele atuam ao dar para Kristen Stewart
falas que mais parecem uma defesa de si própria – Valentine, a assistente por
ela vivida, discursa a favor da starlet
Jo-Ann Ellis (Chloë
Grace Moretz), figura conhecida mais pelos filmes juvenis dos quais fizera parte
do que pelo seu talento e amada por paparazzis
dada a vida pessoal conturbada. Desta
feita, ao fundir tais motes do roteiro, Acima
da Nuvens denota outra semelhança para com Birdman qual seja a inteligente escalação de um elenco pessoalmente
envolvido no passado com fatos parecidos aos ora encenados.
A elegância e complexidade do trabalho de Assayas ainda
vai além ao estudar o conflito entre novo e velho, contemporâneo e passado.
Nesta toada, chama a atenção o modo como Maria Enders (Juliette
Binoche) vai lentamente se transformando seja por causa de sua imersão no papel que a faz passar a ser e
viver tal qual a mulher lésbica que interpretará nos palcos, seja por conta do
incômodo que sente perante a idade que avança restando aí incluída a atração
nutrida pela juventude alheia em especial de sua assistente - o que pode até
caracterizar uma eventual preferência sexual sua. Neste ponto da narrativa, aliás, Acima
das Nuvens ameaça enveredar por uma trama de paixão homossexual,
porém, Assayas evita o caminho da obviedade e simplicidade preferindo deixar
sugestões no ar com imagens que bastante dizem mesmo quando despidas de
diálogos – exemplo disso pode ser visto na cena em que Maria observa um tanto encantada Valentine dormir seminua, imagem que pode soar
para alguns como um jeito sensacionalista de explorar o corpo de Kristen
Stewart mas que no fundo expõe todo um choque entre passado e presente envolto
em admiração e talvez até inveja.
Acima das Nuvens pode vir a ser taxado
como verborrágico por espectadores impacientes, entretanto, nada nele do que é
dito (e mostrado) possui traço de irrelevância, o que em muito se deve a falta
de pedantismo de um cineasta que discute seu próprio ofício sem se colocar
acima do bem ou do mal, compondo um roteiro que mesmo cheio de bifurcações é
desenvolvido de maneira coesa e acessível a quem assim se dispuser. E tudo isso
sem as acrobacias técnicas realizadas pela câmera em Birdman.
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1. Leia mais sobre Birdman Ou (A
Inesperada Virtude Da Ignorância) em http://setimacritica.blogspot.com.br/2015/05/birdman-ou-inesperada-virtude-da.html
2. Leia mais sobre Jogo
de Cena em http://setimacritica.blogspot.com.br/2014/04/jogo-de-cena.html
FICHA
TÉCNICA
Título Original: Clouds of Sils Maria
Direção e Roteiro: Olivier Assayas
Elenco: Juliette Binoche, Kristen
Stewart, Aljoscha Stadelmann, Angela Winkler, Arnold Gramara, Ben Posener,
Benoit Peverelli, Brady Corbet, Caroline De Maigret, Chloë Grace Moretz, Claire
Tran, Gilles Tschudi, Hanns Zischler, Johnny Flynn, Lars Eidinger, Luise
Berndt, Nora von Waldstätten, Peter Farkas, Ricardia Bramley, Sean McDonagh,
Stuart Manashil
Produção: Charles Gillibert
Fotografia: Yorick Le Saux
Montagem: Marion Monnier
Estreia: 08/01/2015 (Brasil)
Duração: 124 min.
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