Love



Amor Dividido

Embora sua campanha de marketing - no que se incluem as entrevistas de seu diretor Gaspar Noé - assim sugerisse, Love (França/Bélgica, 2015) não é um filme agressivo, afinal, o sexo nele mostrado, mesmo explícito, não possui a crueza, por exemplo, de Ninfomaníaca (Dinamarca, 2013), longa-metragem de Lars Von Trier no qual o sexo ilustra drama, desespero e solidão não sendo, por conseguinte, excitante em momento algum. No caso de Love, mesmo quando envolto em melancolia, o sexo não deixa de ser urgente, intenso e banhado em tesão. Neste sentido, as inúmeras sequências explícitas não banalizam a cópula nem se revelam repetitivas dada a importância da atividade sexual no relacionamento do casal de protagonistas.
Assíduo e curioso, o sexo praticado por Murphy e Electra é tão necessário no que tange a sua exposição quanto aquele feito por Emma e Adèle em Azul É a cor Mais Quente (França, 2013). Ambos os filmes, vale dizer, se dedicam a realizar radiografias dos estágios pelos quais uma relação amorosa passa, o que compreende desde a descoberta da paixão até o cometimento de atos inconseqüentes que redundam na separação e no arrependimento de alguma das partes, histórico esse em que o sexo impõe sua presença com vital importância como em qualquer relação íntima. Por óbvio, diferenças também existem entre as duas obras, destacando-se neste diapasão o fato de no título dirigido por Abdellatif Kechiche o sexo ser pontual, surgindo de maneira avassaladora em três ou quatro sequências, ao passo que o trabalho de Gaspar Noé, como outrora dito, é permeado do início ao fim por corpos nus transando, o que resulta naquele que é um dos problemas do filme: não sobra espaço para um aprofundamento maior dos personagens.
Se por um lado, as três horas de duração de Azul É a Cor Mais Quente servem tanto para explorar o início e o fim de um arrebatador amor lésbico quanto para analisar a dificuldade com que Adèle encara a descoberta de sua bissexualidade, bem como o modo ora dominador ora professoral com que Emma vai ditando o ritmo da relação, em Love o personagem masculino tem uma abordagem unidimensional, machista em sua essência – daí o compreensível incômodo do público feminino – que pouco convence quanto a suposta existência em seu íntimo de uma sensibilidade voltada para as artes e, em específico, para o cinema, ao passo que as mulheres do triângulo amoroso são pouco estudadas quanto aos seus passados, anseios e angústias.
A rasa abordagem de Gaspar Noé sobre as criaturas por ele imaginadas, faz com que a plateia não se sinta cativada por elas, embora indiscutível seja o interesse pela jornada sexual das mesmas. Em outras palavras, apesar de a honestidade do sexo praticado pelos atores/personagens ser deveras envolvente, aquilo que eles fazem quando não estão copulando ou à procura de sexo pouco interessante é, o que indica que o trabalho de Noé enquanto diretor fora, conforme adiante explicado, superior aquilo que fez enquanto roteirista. Tal problemática, vale o palpite, poderia ser sanada com medidas como o alargamento da metragem do filme ou a redução do protagonismo masculino, senão vejamos:
- alargamento: ao contrário do que muitos afirmam, Love não parece tão longo nem se comporta de maneira torturante ou tediosa, daí que outros 30 ou 40 minutos, desde que dedicados aos personagens e não ao sexo, enriqueceriam sobremaneira o produto final;
- redução: a diminuição do protagonismo de Murphy em prol de uma divisão mais igualitária de atenção para com as mulheres que o ladeiam no passado e no presente abrandaria o teor machista da obra, podendo, ainda, tornar o enredo mais complexo, possibilidade essa que, convenhamos, é a mais utópica de todas, haja vista que o aspirante a cineasta interpretado por Karl Glusman se revela como uma espécie de alter ego de Gaspar Noé, discursando por vezes, tal qual esse último, em defesa de materiais cinematográficos movidos a “sangue, esperma e lágrimas” – fala do personagem, essa que serve para Noé justificar o porquê de ter filmado Love, bem como para estreitar seu diálogo com o espectador, pretensão essa que ainda inclui desnecessárias brincadeiras com seu próprio nome que incomodam por denotarem um ego inflado que a todo instante insiste em, de maneira descabida, se incluir na trama.
Apesar dos excessos citados, Love não causa o incômodo nem a repulsa proporcionados por Irreversível (França, 2002), trabalho anterior de Noé, afinal, ao contrário desse último, o interesse de Love paira não sobre a natureza violenta do homem e sim sobre a dificuldade de administração de sentimentos de pessoas diferentes, razão pela qual, embora não raro utilize a mesma paleta de tons quentes da obra estrelada por Monica Bellucci, os recorrentes tons em vermelho vistos em Love aludem agora ao calor do amor e da confusão de emoções pelo sentimento despertada e não ao sangue e a violência de outrora vistos em Irreversível.
Nesta toada, merecem ainda ser positivamente lembradas a excepcional montagem realizada pelo próprio Noé que retira a obra da linearidade aumentando assim o contraponto entre os altos e baixos experimentados pelos personagens, bem como a elegância da fotografia seja pela iluminação já comentada como também pelos eficientes posicionamentos de câmera que quase sempre de modo estático deixam toda e qualquer movimentação para os corpos dos atores que se entregam sem amarras em cenas de sexo rotineiramente acompanhadas de uma ótima trilha musical, compondo, assim, uma embalagem esteticamente atraente que atesta a antes mencionada capacidade de Love atrair menos pelo conteúdo e mais pela forma.
Por fim, em meio a seus pontos positivos e negativos Love traz novamente a tona a discussão sobre o rompimento da fronteira entre o cinema pornográfico e aquele tido como tradicional, algo que não era visto nas telas com tanta veemência desde O Império dos Sentidos (Japão/ Franca, 1976), daí que inegável sua relevância enquanto exemplar de um cinema não conformista que abraça a polêmica com destemor no intuito de fazer com que a atividade cinematográfica permaneça funcionando como instrumento de provocação e não apenas de entretenimento.
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1.    Leia mais sobre Azul é a Cor Mais Quente em http://setimacritica.blogspot.com.br/2014/03/azul-e-cor-mais-quente.html.

FICHA TÉCNICA


Direção, Roteiro e Edição: Gaspar Noé

Produção: Brahim Chioua, Edouard Weil, Gaspar Noé, Rodrigo Teixeira, Vincent Maraval

Elenco: Aomi Muyock, Benoît Debie, Deborah Revy, Gaspar Noé, Isabelle Nicou, Juan Saavedra, Karl Glusman, Klara Kristin, Stella Rocha, Vincent Maraval, Xamira Zuloaga

Fotografia: Benoît Debie

Trilha Sonora: Virginie Verdeaux

Estreia: 10/09/2015 (Brasil)

Duração: 134 min.

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