A Bruta Flor do Querer
Sinceras Contradições
Os créditos finais de A Bruta Flor do Querer (Brasil, 2013¹)
bem como o monólogo que os antecede são instantes deveras reveladores que em
muito colaboram para com o processo de interpretação da obra. Neste sentido, Andradina
Azevedo e Dida Andrade, diretores, roteiristas e atores do longa-metragem, reconhecem em tais momentos
que a produção, realizada sem nenhum patrocínio nem apoio de qualquer edital ou
lei de incentivo, possui considerável teor confessional, daí poder-se deduzir
que a mesma não poderia soar mais sincera ainda que em meio a falhas incontestes.
Dentro deste contexto, a realização não almeja inventar a roda, afinal a ideia central de seu enredo, qual seja a
incerteza de jovens adultos perante os caminhos profissionais e amorosos a
trilhar, já é cinematograficamente manipulada desde, por exemplo, A Primeira Noite de um Homem (EUA,
1960). Destarte, o que diferencia A Bruta Flor do Querer e lhe concede especial valor é:
- o viés metalinguístico, responsável por deixar o filme
dialogar consigo mesmo em falas ora pretensiosas ora
autocríticas;
- a implementação de um cinema de guerrilha, marginal que
há tempos não se via.
Sim, o longa apresenta
problemas técnicos consideráveis - principalmente no que atine a captação de
som direto - contudo, a honestidade e crueza da narrativa e das atuações tornam
a experiência envolvente a ponto da técnica rudimentar acabar tendo a ela agregado
um status cool decorrente da salutar distância formal para com títulos tão
pasteurizados e corretos da cinematografia brasileira como são os atuais sucessos
nacionais de bilheteria.
A Bruta Flor do Querer poderia ser ainda mais relevante caso sua conclusão
final não se rendesse a manjada tese de que o amor atua como tábua de salvação para
todos os problemas. Considerando o tom pessimista que permeia o filme ao longo
de seu desenvolvimento, seria mais correto e interessante se entregar por
completo a questão da falta de perspectiva profissional que assola os recém-ingressados
na idade adulta – em especial aqueles que optam por profissões não tradicionais
e/ou artísticas. A guinada esperançosa com que ao término os personagens/realizadores
passam a encarar o futuro resulta, desta feita, contraditória, porém, inegavelmente
sincera, tendo em vista que a contradição é característica natural de uma fase
da vida tão permeada pela falta de certezas.
E é assim, entre erros e acertos, entre ficção e verdade que A
Bruta Flor do Querer retrata com fidelidade ímpar a carência afetiva e a falta
de horizonte profissional de uma faixa etária para a qual o tempo insiste em
andar depressa afastando-a sem piedade da época desprovida de preocupações e
fracassos de outrora. Dito isso, vale ficar
atento para os próximos trabalhos da dupla de diretores/roteiristas cujo
potencial só tende a ser aprimorado com o passar da idade e com o acesso a melhores
condições de produção.
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1. O longa-metragem foi primieramente lançado em 2013 no Festival de
Gramado quando venceu os Kikitos de
direção e fotografia. Segundo Luiz Carlos Merten: “Os dois anos decorridos
desde a premiação em Gramado foram consumidos – mais de um, com certeza – na liberação
das músicas que compõem a trilha. Em Gramado, o filme foi exibido na raça, sem
liberação. Quando o filme armou um bochincho, outros diretores e produtores
concorrentes tentaram desautorizar A Bruta Flor, dizendo que jamais chegaria ao
circuito. ‘Foi duro, mas chegamos’ comemora Andradina [...]. ‘Pagamos bem menos
que os caras costumam cobrar, e já foi uma vitória’. [...] Dos R$ 100 mil
investidos – a duras penas – na produção, R$ 50 mil foram para a trilha” (Premiado em Gramado, ‘A Bruta Flor do Querer’
é obra de uma dupla talentosaia in http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,premiado-em-gramado--a-bruta-flor-do-querer-e-obra-de-uma-dupla-talentosa,10000025443
Acesso em 30.04.16.
Ficha
Técnica
Direção, Roteiro
e Fotografia: Andradina Azevedo e Dida Andrade
Produção: Andradina
Azevedo, Bia Vilela, Dida Andrade
Elenco: Andradina
Azevedo, Arua Maroni, Clara Andrezzo, Daniele Rosa, Danilo Grangheia, Diana
Mota, Dida Andrade, Fernanda Galvão, João Federici, Nara Lobo, Sue Nhamandu
Montagem:
Pedro Silva
Trilha
Sonora: Arthur Decloedt
Estreia
no Brasil: 07.04.2016
Duração: 76 min.
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