A Cidade Onde Envelheço
Umbigo
Refletido
Em A Cidade Onde Envelheço (Brasil/Portugal, 2016) chega a ser cômico –
não fosse trágico – o quão procedentes são as pontuais reclamações e
observações de duas portuguesas residentes no Brasil acerca de hábitos do povo
tupiniquim. Deixando de lado possíveis notas sobre metáforas envolvendo colonizador
e colonizado, eis que o filme de Marília Rocha não possui tal pretensão, o que
se percebe são olhares estrangeiros que, além de revelar choques culturais, servem
de alerta para que melhoremos desde nosso vocabulário coloquial, permeado por
expressões repetitivas e gírias irritantes, além da forma passiva com que
aceitamos serviços prestados de maneira desleixada e, sobretudo, a falta de
preocupação do brasileiro quanto a não incomodar o outro seja com falta de
educação seja com pedidos descabidos como o de dar uma tragada no cigarro
alheio.
Vale lembrar que em sendo os
diálogos frutos de improviso¹, as ponderações feitas pelas atrizes ganham em
autenticidade, afastando-se da possibilidade de serem apenas palavras postas em
suas bocas por Marília Rocha que também assina o roteiro. Neste passo, Rocha se
limita a garantir um número de reclamações que não se torne intolerável aos
ouvidos do público nem faça das personagens seres pedantes, tarefa executada
com êxito bastante para, sem exagero, garantir veracidade as acusações de modo
tal que das poucas vezes em que essas surgem a atenção do espectador acaba
tomada pelas mesmas, sendo, desta feita, aquilo que de mais interessante e significativo
o longa-metragem apresenta, já que no campo emotivo não há muito com o que
contar tendo em vista a carência de calor que marca a relação entre as duas
imigrantes, resultado do comportamento blasé
de Francisca (Francisca Manuel) que acaba por influenciar toda a obra.
Tamanha frieza parece fazer parte
da proposta narrativa de Marília Rocha daí porque não pode ser encarada
necessariamente como um defeito, ainda que inegavelmente dificulte a empatia da
plateia. Nesta toada, talvez certa quantidade de monotonia presente na produção
pudesse ser aplacada se ao invés de perder tempo com sequências que nada
acrescentam – como as cenas em que as mulheres dançam – fosse investido um
pouco mais nas emoções e, principalmente, na saudade. Por um lado, o foco preponderante
sobre as relações interpessoais estabelecidas principalmente entre as portuguesas
e os brasileiros dispõe de inconteste relevância - ainda mais para os nacionais
que ganham a oportunidade de refletir sobe seu equivocado conceito de que
regras existem para ser quebradas – mas, por outro lado, deixa um tanto incompleta
uma análise que poderia ser mais abrangente, aspecto esse em que A Cidade Onde Envelheço só teria a
ganhar se fizesse de Belo Horizonte, com sua natureza e arquitetura diversas
daquilo que a cidade natal das protagonistas oferece, um cenário responsável por
aumentar a incômoda nostalgia sentida por elas.
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1.
Neste sentido sugere-se a leitura dos textos presentes em http://revistapreview.com.br/entrevista/ajudamos-escrever-historia-diz-atriz-cidade-onde-envelheco/
e http://mulhernocinema.com/entrevistas/marilia-rocha-fala-sobre-os-bastidores-e-o-feminismo-de-a-cidade-onde-envelheco/.
Ficha
Técnica
Direção:
Marília Rocha
Roteiro: João
Dumans, Marília Rocha, Thais Fujinaga
Elenco: Elizabete
Francisca, Francisca Manuel, Jonnata Doll, Paulo Nazareth, Wanderson Dos Santos
Produção:
João Matos, Luana Melgaço
Fotografia:
Ivo Lopes Araújo
Montagem:
Francisco Moreira
Duração:
99 min.
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