Até o Último Homem



Estrategicamente Contido

Até o Último Homem (EUA/Austrália, 2016) tem sido saudado como a reconciliação de Mel Gibson com a indústria cinematográfica hollywoodiana após uma série de escândalos envolvendo seu nome. Neste passo, as várias indicações a prêmios recebidas pela obra parecem ser resultado não das qualidades técnicas e narrativas que o longa-metragem, aliás, nem sequer possui, mas sim da forma respeitosa com que o artista reverencia um herói de guerra norte-americano. Trata-se, desta feita, de um projeto estrategicamente feito para agradar um público específico nos moldes por este admirados.
Assim, a toada novelesca com que Gibson filma o primeiro ato no qual o protagonista enfrenta a fúria de um pai bêbado (Hugo Weaving, como de costume eficiente), ao mesmo tempo em que descobre o amor e alista-se para prestar serviço na II Guerra Mundial é de uma platitude deveras incômoda, ignorada, contudo, pela temporada de premiações dado o tom de patriotada com que é abordada a história do soldado que salva muitas vidas mesmo sem pegar em armas.
Adiante, o segundo ato marca a transição entre aquilo que se passa fora e dentro do conflito armado, daí ser desenvolvido em meio ao período de treinamento dos combatentes - numa estrutura de roteiro que faz lembrar semelhante divisão vista em Nascido Para Matar (EUA, 1987). Tal ato, vale dizer, é o que de melhor Até o Último Homem oferece graças ao talento cômico de Vince Vaughn, responsável por injetar humor na trama e dissipar por uns preciosos instantes o enfado. Dito isso, é uma pena que o personagem do ator seja deixado de lado no ato seguinte passado em campo de guerra, afinal, sua contribuição poderia, por certo, ajudar a tornar realmente digna de elogio uma fração do filme na qual Gibson - embora por vezes relembre o quanto seu vigor estético, à moda Sam Peckinpah, é voltado para a brutalidade e não para dramas familiares e relações amorosas - utiliza  um método lastimavelmente contido, caracterizado por dourar a pílula da carnificina sempre que possível para, por óbvio, não desagradar espectadores mais sensíveis.
Tamanha falta de destemor somada a planos cuja fotografia pretensamente épica é acrescida de uma canhestra trilha musical edificante tornam o produto superficial, o que prejudica até a esforçada atuação de Andrew Garfield, na medida em que o comportamento de seu personagem é exaltado sem que seja cogitada qualquer curva fora da linha por ele praticada. Não fosse o bastante, o lado inimigo é mostrado apenas quando os japoneses matam sem piedade ou quando sucumbem perante os yankees, denotando, por conseguinte, a visão unilateral de um trabalho cujo potencial se bem aproveitado poderia gerar um libelo pacifista tão eloquente e significativo quanto, por exemplo, Johnny Vai à Guerra (EUA, 1971).
Pelo menos a superestimada aceitação do título poderá servir para deixar Mel Gibson menos acanhado e formulaico em sua próxima empreitada. Aguardemos.

Ficha Técnica

Título Original: Hacksaw Ridge
Direção: Mel Gibson
Roteiro: Andrew Knight, Robert Schenkkan
Elenco: Andrew Garfield, Vince Vaughn, Hugo Weaving, Sam Worthington, Luke Bracey, Teresa Palmer, Ben O'Toole, Benedict Hardie, Firass Dirani, Goran D. Kleut, James Mackay, Luke Pegler, Matt Nable, Milo Gibson, Nathaniel Buzolic, Ori Pfeffer, Rachel Griffiths, Richard Roxburgh, Robert Morgan, Ryan Corr
Produção: Bill Mechanic, Brian Oliver, Bruce Davey, David Permut, Paul Currie, Terry Benedict, William D. Johnson
Fotografia: Simon Duggan
Montagem: John Gilbert
Trilha Sonora: Rupert Gregson-Williams
Estreia: 26/01/2017 (Brasil)
Duração: 139 min.

Comentários

LEIA TAMBÉM