Um Filme de Cinema



Combo Ruinoso

Um Filme de Cinema (Brasil, 2015), em sendo um exemplo de documentário calcado exclusivamente sobre entrevistas, permite os seguintes questionamentos: o resultado, positivo ou negativo, de uma obra dessa espécie deriva exclusivamente do trabalho de regência de seu diretor ou, ao contrário, é fruto tão somente da qualidade dos relatos registrados (que não necessariamente se sujeitam às vontades do cineasta)? Será possível para o bem ou para o mal a congregação dessas duas possibilidades e a consequente atribuição conjunta de responsabilidade pelo saldo final de um documentário?
Por certo, as respostas não são absolutas variando, desta feita, conforme cada caso concreto. Neste sentido, percebe-se que no título em comento a limitação de sua proposta narrativa a uma sucessão de depoimentos lhe impede de galgar notas maiores graças em grande parte ao teor deveras subjetivo e não raro inconclusivo de tais falas. Ao que parece a maioria dos entrevistados deliberadamente optara por soar complexo como que a satisfazer uma necessidade de mostrar intelecto perante os pares, motivo pelo qual a produção raramente provoca a empatia do público, ao contrário, por exemplo, do que fizera Kleber Mendonça Filho em Crítico¹ (Brasil, 2008), documentário que ao tecer um paralelo entre o ofício da crítica cinematográfica e seus respectivos alvos, quais sejam, sobretudo, atores e cineastas acaba sendo infinitamente mais exitoso na execução da tarefa de discorrer sobre o fazer fílmico e toda a sorte de sentimentos que isso envolve, resultado garantido, principalmente, em razão da linguagem objetiva, direta e por vezes permeada de humor dos profissionais entrevistados.
Em Um Filme de Cinema vê-se pouca paixão nos relatos - exceto quanto a sequência protagonizada por Karim Aïnouz - e bastante rebuscamento no modo com que se tenta simplesmente expressar o quão mágico e saboroso é fazer cinema, daí a produção ser contaminada por um ar tedioso que a mantém enclausurada entre falas desinteressantes, armadilha da qual tenta escapar ao, de maneira atabalhoada porque despreocupada com o nexo narrativo, introduzir um breve causo contado pelo escritor Ariano Suassuna e, o que é mais grave, uma espécie de minidocumentário paralelo sobre o oscarizado Cinema Paradiso (Italia/França/Alemanha, 1988), o que inclui um tour pelas locações do filme, além de entrevistas com moradores da região e com Salvatore Cascio, ator que quando criança protagonizou a obra. É verdade que a preparação do terreno para a inserção de tal sequência é feita ao longo do documentário por meio de pequenos trechos do trabalho de Giuseppe Tornatore que por vezes surgem na tela, providência que, entretanto, não é suficiente para evitar o estranhamento causado pela bruta forma com que são interrompidas as divagações técnico-filosóficas de diretores acerca, por exemplo, do manejo de espaço, tempo, ritmo e som na composição dos planos para em seu lugar, mesmo que temporariamente, ter-se a concentração do filme voltada unicamente para um trabalho específico de um diretor que nem está entre os entrevistados. Neste passo, causa surpresa como uma ruptura tão amadora, eis que desprovida de vínculo para com o restante do material filmado, fora mantida no corte final, impressão essa que permite concluir que o resultado aquém do esperado de Um Filme de Cinema deriva de um combo ruinoso composto por entrevistas enfadonhas e uma direção atrapalhada, não havendo, portanto, que se falar em exclusividade quanto a responsabilidade pelo saldo negativo.


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1.    As entrevistas mostradas em Crítico fora captadas ao longo de quase uma década (1998-2007), modus operandis esse que Walter Carvalho repete em Um Filme de Cinema que precisara de 14 anos para ser finalizado. Leia mais sobre Crítico em https://setimacritica.blogspot.com.br/2016/05/critico.html.

FICHA TÉCNICA

Direção: Walter Carvalho
Produção: Marcello Ludwig Maia
Depoimentos: Andrzej Wajda, Ariano Suassuna, Ken Loach, Béla Tarr, Gus Van Sant, Jia Zhangke, Júlio Bressane, José Padilha, Benedek Fliegauh, Karim Aïnouz, Zé Henrique Fonseca, Beto Brant, Laís Bodanzky, Ruy Guerra, Vilmos Zsigmond, Phillippe Barcisnki, Hector Babenco, Cláudio Assis, Salvatore Cascio e Lucrecia Martel.

Fotografia: Lula Carvalho , Pablo Baião

Música: Eric Ribeiro

Montagem: Isabel Castro

Duração: 111 min.

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