Columbus / Encontros e Desencontros
Trivial Desafiado
Em comentário sobre Columbus
(EUA, 2017) Kate Erbland o descreve como “um drama romântico na veia
da trilogia ‘Antes’ de Richard Linklater e ‘Encontros e Desencontros’”¹. Nesta toada, já se tornou um tanto
clichê dizer que um filme no qual um casal passa boa parte do tempo conversando
sobre si bebe da fonte de Linklater, sendo tal comparação às vezes forçada
quando não desnecessária, tal como no caso do delicado e ao mesmo tempo
vigoroso longa-metragem de estreia de Kogonada que, a bem da verdade, se
inspira quase que exclusivamente pela obra de Coppola.
Dito isso, tanto em Columbus
quanto em Encontros e Desencontros
(EUA, 2003) o protagonismo das tramas é exercido por pessoas solitárias e
frustradas porque deslocadas no tempo e no espaço. Neste passo, em ambos os
filmes os homens, mais velhos, seguem frustrados em suas carreiras – um por não
ter alcançado os objetivos traçados e o outro por ter atingido o sucesso
através de trabalhos banais que não lhe servem de orgulho – enquanto as
mulheres, mais novas, seguem subaproveitando seus talentos, mas esperançosas de
um dia conseguirem fazer algo de relevante. Tais seres se conhecem por acaso e,
muito em decorrência da carência por eles nutrida, passam a rapidamente funcionar
como esteio um do outro em meio às turbulências particulares que vivem. Destarte,
o súbito carinho surgido se mostra tamanho que, seja por respeito seja por
sapiência, a transformação da amizade em romance é correta e arduamente
evitada. Ao que parece tais figuras reconhecem que uma vez juntas poriam a
perder todo o encantamento entre elas existente, vide as cargas de problemas
individuais suportadas que inevitavelmente maculariam um eventual
relacionamento entre elas assumido, o que denota o quão enorme é a consideração
com que se relacionam e a vontade de que a felicidade do outro seja uma realidade.
Não se tratam, portanto, de relações carentes de desejo sexual nem marcadas
pelo egoísmo, pois é o altruísmo e a maturidade que, ao contrário, dão as
cartas fazendo com que aquelas pessoas, conscientes do perigo que representam
umas as outras, tangenciem em torno de um desastre previsível.
Ainda no que tange as similitudes existentes entre as narrativas:
· + Em Columbus os problemas familiares se
revelam mais presentes e próximos dos personagens que em Encontros e Desencontros cujo enredo coloca o casal principal em
Tóquio distante de seus pares e familiares - embora as crises de seus
matrimônios não deixem de impor sombras angustiantes sobre cada um. Neste
diapasão, os traumas dos personagens de Columbus
não são de ordem conjugal, tendo a ver, sobretudo, com os relacionamentos
mantidos com seus respectivos pai e mãe. São, desta feita, espécies diferentes
de percalços que, contudo, se assemelham na forma como servem de razão para que
a intimidade entre os casais não seja estreitada.
·
+ As
duas produções fazem ótimo uso das locações, sendo a Tóquio de Encontros e Desencontros uma representação
metafórica do estado de espírito dos protagonistas, na medida em que é mostrada
antes daqueles se conhecerem como uma metrópole de arranha-céus cinzentos e
ruas melancolicamente abarrotadas, passando a ser vista após o encontro dos
personagens como uma cidade vibrante em cores, luzes e sons. Já em Columbus a arquitetura modernista do
lugar - apresentada por Kogonada sem didatismo, de modo minimalista e, por
isso, deveras interessante, o que, vale ressaltar, é em grande parte resultado da
valorosa direção de fotografia de Elisha Christian - possui importância temporal
para o enredo haja vista que para a figura feminina significa a paixão por cada
edificação e suas respectivas histórias, interesse esse que lhe confere um
acúmulo de conhecimento e de potencial suficientes para uma futura e promissora
carreira no ramo, ao passo que para o personagem masculino representa o passado,
as pouco aprazíveis fases da infância e da adolescência nas quais fora deixado
de lado pelo pai, arquiteto consagrado, cuja atenção estivera sempre voltada
para o seu ofício.
Columbus e Encontros
e Desencontros são exemplos de romances para os quais se torce não pelo beijo final
e sim para que permaneçam atrelados ao estado da platonicidade em benefício da coerência
narrativa, afinal, em sendo as chagas dos personagens relevantes o bastante
para impedir que uma junção no presente entre eles seja exitosa, as despedidas
restam inevitáveis. Dentro deste contexto, os tristonhos finais vistos nos dois
títulos, além de atenderem ao anseio por verossimilhança, acabam por se tornar
duradouros na memória uma vez que, ao saírem do lugar comum e não apresentarem
o fictício clichê da união concretizada, ainda permitem ao espectador especular e dar
a conclusão que preferir para as tramas. Assim, é possível pensar que um dia
talvez o reencontro daquelas pessoas ocorra em condições mais favoráveis; aliás, é
possível que tenha sido justamente essa a fala dita por Bob Harris
(Bill Murray, cabisbaixo, irônico, amargurado e vivaz no melhor desempenho de
sua filmografia) ao ouvido de Charlotte (Scarlett Johansson) em um ato de adeus, bem como pode ser que
tenha sido também esse o pensamento de Jin (John Cho) ao abraçar Casey (Haley
Lu Richardson) antes dessa partir rumo a dias melhores por ele possibilitados.
Quem sabe...
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1. ‘Columbus’ Review: Kogonada’s Directorial Debut Is a Feast for the Eyes and the Heart. Disponível em: http://www.indiewire.com/2017/08/columbus-review-kogonada-john-cho-haley-lu-richardson-1201862953/. Acesso em 23.12.17.
FICHA TÉCNICA – COLUMBUS
Direção: Kogonada
Produção: Aaron Boyd, Andrew Miano, Chris Weitz, Danielle
Renfrew Behrens, Giulia Caruso, Ki Jin Kim
Elenco: Alphaeus Green Jr., Caitlin Ewald, Erin Allegretti, Haley Lu Richardson, Jim Dougherty, John Cho, Lindsey Shope, Michelle Forbes, Parker Posey, Reen Vogel, Rory Culkin, Rosalyn R. Ross, Shani Salyers Stiles, William Willet, Wynn Reichert
Fotografia:
Elisha Christian
Trilha
Sonora: Hammock
Estreia:
14.09.2017
Duração: 105 min.
FICHA
TÉCNICA – ENCONTROS E DESENCONTROS
Título
Original: Lost in Translation
Direção, Roteiro:
Sofia Coppola
Elenco: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris, Akiko
Takeshita, Catherine Lambert.
Produção: Ross Katz, Sofia Coppola
Fotografia: Lance Acord
Música: Brian
Reitzell, Kevin Shields, William Storkson
Montagem: Sarah Flack
Design de
Produção: Anne Ross
Figurino: Nancy Steiner
Direção de
Arte: Mayumi Tomita
Estreia: 03.10.2003
Duração: 105 min.
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