Jim & Andy: The Great Beyond
Dois em Um
O desempenho
de Jim Carrey em O Mundo de Andy (EUA,
1999) é, por certo, superior ao resultado final do próprio filme - estranhamente
convencional considerando o ser biografado e o diretor por trás da obra (Milos
Forman). À época das filmagens e do lançamento do longa-metragem, muito se
falou sobre o método imersivo de atuação utilizado por Carrey que assumira a
persona de Andy Kaufman tanto na frente quanto por trás das câmeras, ensejando,
assim, toda sorte de atribulação durante as filmagens – o que talvez tenha
contribuído para que tal performance restasse ignorada em algumas importantes premiações
da indústria cinematográfica.
Por seu
turno, a Universal Pictures não desejava que tais imagens de bastidores fossem
vistas antes e durante a promoção da cinebiografia - o que seria algo inimaginável de se fazer na
realidade atual composta por Internet e smartphones
- face o receio de que uma aversão pública a Jim Carrey fosse criada e o filme,
consequentemente, fracassasse nas bilheterias, intenção que também fora
conveniente ao ator que preferira deixar tais registros arquivados por quase duas
décadas para, desse modo, manter intacto o esforço por ele empreendido para se
desprender do ser que ocupara seu corpo e sua mente durante os meses de preparação
e gravação das cenas de O Mundo de Andy.
Em Jim & Andy: The Great Beyond – Featuring a Very Special,
Contractually Obligated Mention of Tony Clifton (EUA/Canadá, 2017) o relato desta fascinante história é feito pelo
próprio Jim Carrey que, graças a quantidade de tempo decorrida desde os fatos
retratados, consegue rememorar aqueles dias de trabalho com uma bem-vinda sobriedade,
ainda que isso seja um conceito um tanto relativo no que diz respeito a Carrey,
afinal, por vezes seu ar enigmático e suas ideias um tanto místicas e extravagantes
permitem especular se o seu comportamento e maneira de pensar são genuínos ou
se, ao contrário, seriam apenas elementos integrantes de mais uma interpretação
do ator, o que, por óbvio, emula os semelhantes questionamentos que Andy Kaufman
suscitava em sua plateia. Se ainda hoje Kaufman habita em Carrey ou se este último
apenas prega uma peça no espectador não há como saber; seja como for, tal dúvida
agrega inegável charme ao documentário, além de permitir reflexões sobre a
atual essência do comediante, tal como feito por Fábio de Souza Gomes, a saber:
“o filme é um estudo sobre quem é o
verdadeiro Jim
Carrey. [...]
A carreira toda, Carrey sempre se
mostrou bem humorado. Seja em seus filmes, seja no tapete vermelho. Mas isso
tudo fazia parte do “monstro” criado pelo humorista. Um monstro que fazia os
outros sentirem-se bem e que, não necessariamente, mostrava quem ele era de
verdade. [...]
Especialmente após viver Andy, ele
começou a quebrar essa máscara e o ser humano que mostra ao público hoje está
muito mais próximo de quem ele verdadeiramente é. Atualmente, Jim Carrey tem uma visão mais pessimista do mundo e não
tenta mais ser o que não é e muito é reflexo de sua carreira, pois diz “o que você faz quando realiza todos os seus sonhos e continua
infeliz?”¹.
Com
efeito, a produção original da Netflix traça um breve paralelo entre as
trajetórias de Kaufman e Carrey através de uma sucinta abordagem de seus
principais trabalhos, o que acaba por ilustrar o imenso carinho e identificação
do segundo pelo primeiro, permitindo, desta feita, atestar que o hercúleo empenho
de Carrey para entregar uma exímia interpretação de alguém real e de seus
respectivos personagens também representava sua homenagem ao ídolo por mais
extenuante que isso pudesse ser para ele e para os demais profissionais
envolvidos nas gravações.
Dentro
deste contexto, é de se lamentar que o único depoimento recentemente captado tenha
sido o de Jim Carrey, o que talvez se deva a uma intenção de manter estreito
o raio de abordagem da narrativa, limitando-a a uma esfera mais íntima e restrita, portanto, a Carrey e Kaufman², dois seres que talvez sejam
apenas um. As rápidas falas de Milos Forman, Danny DeVito e Paul Giamatti
registradas ainda durante as filmagens de O
Mundo de Andy demonstram o
quão bizarro era para eles trabalhar com alguém que jamais saía do personagem e
permitem imaginar o quão interessante seria ouvir nos dias presentes suas
impressões sobre aquele infernal período de labor. Mesmo que se revele
incompleto nesse aspecto, Jim & Andy:
The Great Beyond é um deleite, sobretudo, para cinéfilos que, extasiados, testemunham
um exemplo de aplicação prática do célebre “método” de atuação adaptado por Lee
Strasberg e Stella Adler a partir daquilo que pregava Constantin Stanislavski, tal como
explica Pablo Villaça: “’O
Método’ prega o mergulho completo do intérprete em seu personagem, incluindo
seus sentimentos (a “memória emocional”) e sua composição física”³.
Não à toa, o documentário provoca após seu término um exercício de imaginação sobre o quão delirante e envolvente também poderia ser um projeto de igual natureza que tivesse Daniel Day-Lewis – um conhecido adepto das performances de imersão incessante – e alguma(s) das figuras por ele vivificadas nas telas. A aposentadoria anunciada pelo artista e o ótimo saldo deixado por Jim & Andy podem um dia influenciar nesse sentido; vale a torcida!
Não à toa, o documentário provoca após seu término um exercício de imaginação sobre o quão delirante e envolvente também poderia ser um projeto de igual natureza que tivesse Daniel Day-Lewis – um conhecido adepto das performances de imersão incessante – e alguma(s) das figuras por ele vivificadas nas telas. A aposentadoria anunciada pelo artista e o ótimo saldo deixado por Jim & Andy podem um dia influenciar nesse sentido; vale a torcida!
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1. Jim & Andy. Disponível em: https://omelete.uol.com.br/filmes/criticas/jim-andy-the-great-beyond/?key=140889.
Acesso em 06/11/17.
2. Uma outra possível justificativa para Jim
Carrey ser o único entrevistado no tempo presente, é assim delineada: “É perfeitamente possível duvidar de
Carrey 100% do tempo. Afinal, vamos às pistas: ele é o único ator entrevistado
nos dias atuais. Todos os demais só aparecem em filmagens de arquivo. Ou seja,
temos a versão unilateral de Carrey que afirma que “Kaufman tomou o controle”.
As filmagens foram, como dito, fruto do trabalho de Margulies e Zmuda e
especialmente o segundo era o braço direito de Kaufman justamente em criar
situações bizarras, verdadeiras fraudes de longo prazo, como foi a de Kaufman
com Lawler. Portanto, essa reencarnação de Kaufman em Carrey durante a produção
de O Mundo de Andy pode ter acontecido somente diante dessas câmeras,
unicamente naqueles momentos” (Disponível em http://www.planocritico.com/critica-jim-andy-the-great-beyond/. Acesso em 06/11/17).
3. Jim & Andy: The Great Beyond -
Featuring a Very Special, Contractually Obligated Mention of Tony Clifton. Disponível em: http://cinemaemcena.cartacapital.com.br/critica/filme/8425/jim-andy-the-great-beyond-featuring-a-very-special-contractually-obligated-mention-of-tony-clifton. Acesso em 06/11/17.
FICHA TÉCNICA
Direção: Chris Smith
Produção: Spike Jonze, Chris Smith, Danny
Gabai, Brendan Fitzgerald
Edição: Barry Poltermann
Estreia: 16.11.17
Duração: 94 min.
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