Na Praia à Noite Sozinha
Expiação
A Cena: atriz de sucesso, Young-hee manteve num passado não distante um
relacionamento adúltero com um diretor de cinema, relação que se tornara um estrondoso
escândalo na Coreia do Sul, sua terra natal, forçando-lhe a passar um tempo
longe das câmeras e dos holofotes. Gozando de um período sabático a mulher
aproveita, então, para rever amigos, sendo uma dessas ocasiões marcada pelo
reencontro com outro cineasta com quem já trabalhara e que aparentemente passa
por problemas parecidos aos dela, vide o seguinte diálogo por eles travado numa
mesa de bar:
“ - Você envelheceu. [Atriz]
- É mesmo? [Diretor]
- De repente parece um vovô. [A]
- Mas você continua bonita. [D]
- Também envelheci, não foi?
[...] Está com alguma namorada? [A]
- Não. Farei apenas filmes. Nada
mais. [D]
- É mesmo? Qual filme você fará? [A]
- Sobre alguém que amei. Será baseado
nessa experiência. [D]
- Histórias pessoais são entediantes.
É cansativo sempre falar de si mesmo, não é?
- O que mais importa é como é feito. [Assistente
de Direção 1]
- Está certo. O tema não é importante.
[Assistente de Direção 2]
- Como você vai fazê-lo? [A]
- Na medida em que surgirem ideias,
sem muito planejamento. Filmo a primeira cena e deixo ela me levar. [D]
- Por que fazer esses filmes? Por que
retratar algo que você amou? Tentando reduzir o seu sofrimento? [A]
- Meu sofrimento? Talvez. [D]
- Você está atormentado? [A]
- Sim, um pouco. Estou assim desde
então. [D]
- Não. Você parece normal. Está até
filmando. [A]
- Eu faço filmes, mas não estou bem.
Estou me tornando um monstro. [D]
- Não seja um monstro. [A]
- Estou tentando exorcizar isso.
Preciso me livrar dos arrependimentos. [D]
- Você realmente se arrepende? [A]
- Sim. Eu me arrependo todos os dias.
Tanto que está me deixando doente. [D]
- Não se arrependa! Pois não mudará
nada. [A]
- E se eu não puder evitar? A dor, o
remorso. Acha que eu gosto disso? Mas, com o tempo torna-se algo doce e eu não
quero mais largar. Só quero morrer com meu arrependimento. [D]”
O Filme: Na
Praia à Noite Sozinha (Coreia do Sul/Alemanha, 2017) de Hong Sang-soo.
Conclusões: utilizado já próximo ao encerramento do filme, o diálogo acima
transcrito em muito lembra os confrontos de personagens vistos nas obras de
Ingmar Bergman. É uma pena, contudo, que o elevado nível de qualidade de tal
cena, não se repita na totalidade do longa-metragem que, embora apresente
outros dois ou três ótimos diálogos, não consegue interligá-los em um conjunto
harmonioso vide o excesso de contemplação que caracteriza as pontes existentes entres
tais instantes de relevância e que dispersa a atenção do espectador cuja
paciência, felizmente, é recompensada pelo supracitado ato final, ocasião em que
ficção e realidade se misturam com intensidade capaz de devastar a intimidade
das partes envolvidas, afinal, como explica Larissa Bello:
“É impossível desvencilhar o contexto
ao qual Sang-soo passou no ano de 2016, quando veio à tona o seu caso
extraconjugal com a atriz Kim Min-hee, que é muito popular na Coréia e
constante em seus filmes. Essa história virou pauta em todos os tabloides
coreanos e foi considerado um verdadeiro escândalo. Ainda mais que sua esposa
se recusou a assinar o divórcio”¹.
Essa
união entre fantasia e realidade, apesar de inegavelmente interessante,
apresenta no caso da obra em comento um outro lado da moeda não tão elogiável
qual seja o excesso de pretensão de um artista que julga ser o seu drama pessoal
relevante o bastante a ponto de tomar a atenção e o tempo de plateias ao longo
de todo o globo. Num ato de exorcismo dos próprios demônios, o cineasta Hong
Sang-soo lava roupa suja nas telas, tendo por resultado um experimento, há de
se convir, um tanto exibicionista, saldo esse que para a ótima Kim Min-hee, atriz
principal e ex-parceira daquele no escandaloso romance, resta inversa e unicamente
positivo, dada sua coragem de mergulhar num papel que a expõe perante seus
inquisidores sem o intuito de traçar justificativas aos erros de outrora ou de
torná-la agradável aos olhos alheios. Seu desempenho, destarte, não clama por
piedade, compreensão e resulta digno de elogios por permitir que o espectador,
ao invés de rechaçar a ‘personagem’, se identifique com as nuances de temperamento
da mesma.
A ressaca pós-relacionamento é, desta feita, encarada
por meio de um trabalho minimalista e de conotações existencialistas, marcado
por diálogos reflexivos cujo entorno, como já mencionado, não é devidamente burilado
por Sang-soo que prefere deixar vazios tais espaços de interseção da trama no
intuito de assim criar uma metáfora sobre o estado de espírito da protagonista,
meta essa que acaba causando enfado na plateia tamanha a disciplina com que é
cumprida. Por certo, um corte final mais rigoroso deixaria o trabalho menos
arrastado e ajudaria a tornar menos abusiva a quantidade de tempo que Hong
Sang-soo toma do público para expiar seus erros, o que confirma a tese de que
um filme que retrata uma experiência de seu próprio realizador pode não ser
entediante caso produzido da maneira correta, vide os inúmeros exemplos
deixados por Bergman cujas realizações não raro inspiradas por acontecimentos de
sua vida, conduziam o espectador em trilhas permeadas por questionamentos de
cunho existencial/filosófico que jamais incorriam no erro de entediar.
____________
1.“Na
Praia À Noite Sozinha” é o filme mais íntimo e pessoal do diretor sul coreano
Hong Sang-soo. Disponível em: https://cineemfoco.blogspot.com.br/2017/09/na-praia-noite-sozinha-e-o-filme-mais.html.
Acesso em 02.01.18.
Ficha
Técnica
Título Original: Bamui haebyun-eoseo honja
Direção, Roteiro e Produção: Hong Sang-soo
Produção: Darren Aronofsky,
Scott Franklin , Ari Handel
Elenco: Kim Minhee, Seo Younghwa, Jung Jaeyoung,
Moon Sungkeun, Kwon Haehyo, Song Seonmi, Ahn Jaehong, Park Yeaju
Fotografia: Park Hongyeol, Kim Hyungkoo
Montagem: Hahm
Sungwon
Som: Kim Mir,
Song Yeajin
Estreia: 05.10.2017
Duração: 107min
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