Trama Fantasma
Dinâmica
Doentia
Relacionamento abusivo é o tema
que pode ser considerado como definidor do intrincado Trama Fantasma (EUA, 2017); contudo, mais do que contar uma
história marcada estaticamente por uma vítima e por um abusador, o filme faz
questão de misturar esses papeis ao fazer da relação de poder a chama que,
pasmem, mantém aceso o amor e o respeito entre os personagens.
Nesta toada, o que se vê é a união
de um casal aparentemente com data marcada para se separar dadas as peculiaridades
do estilista Reynolds Woodcock o qual, meticuloso, não tarda a se incomodar com
a quebra de rotina proporcionada pela parceira Alma que, por sua vez, logo percebe
estar na submissão a solução para passar a ser vista com outros olhos pelo
amado. Valendo-se, desta feita, dos artifícios mais sórdidos possíveis para ter
o consorte entregue à sua pessoa, a mulher consegue se impor em meio a
onipresença da cunhada e da sogra que, embora já falecida, permanece
influenciando o comportamento de Woodcock. Porém, a alteração de polo dominante
por aquela perpetrada não se estabelece de forma imodificável e sim cíclica ao
passo em que os amantes, de maneira autofágica, se revigoram justamente da
sujeição que um impõe ao outro em determinado pedaço de tempo - o que para um
implica enaltecimento do ego enquanto para outra significa reconhecimento de
sua importância tal qual uma figura materna. Assim, após um dado período de
dominância, aquele que lidera sente a necessidade de ser novamente liderado,
desejo/fetiche que quando satisfeito renova a estima e a consideração a um
preço que inclui desde a humilhação até o risco de morte, ferramentas de
moralidade questionável utilizadas sem pudor por pessoas que, pelo visto, compreendem
que os fins justificam os meios.
Tal dinâmica doentia é curiosamente
desenvolvida no bojo de um cenário de beleza¹ e superficialidade que,
emoldurado pela fleuma britânica, resulta intencionalmente destoante do caráter
dos personagens que, dentro deste contexto, são gradativa e minuciosamente desnudados
pelo interessantíssimo roteiro de Paul Thomas Anderson que, destarte, proporciona
ao espectador uma saudável sensação de estranhamento - característica de obras superlativas
que se propõem a sair do lugar comum e a positivamente frustrar perspectivas - responsável
por fazer do longa-metragem algo bem mais poderoso e complexo que um mero
melodrama².
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1. Aspecto esse em que se faz mister destacar os
exuberantes figurinos e a, como de costume, competente trilha sonora de Jonny
Greenwood que firma com Paul Thomas Anderson uma parceria tão exitosa como, por
exemplo, a de Sergio Leone e Enio Morricone.
2. Vale acrescentar que Trama Fantasma detém muitas outras camadas igualmente saborosas, como,
por exemplo, a que diz respeito a iminente derrocada de Woodcock ante o
surgimento de novos costumes de uma sociedade que já não mais tão
tradicionalista tende a tornar datado o ofício do costureiro nos moldes por ele
empreendido. Neste sentido, sugere-se a leitura da análise de Isabela Boscov disponível
em https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/trama-fantasma/.
Ficha Técnica
Título Original: Phantom Thread
Direção, Roteiro
e Fotografia: Paul Thomas Anderson
Produção: Daniel Lupi, JoAnne Sellar, Megan Ellison, Paul Thomas Anderson
Elenco: Amber Brabant, Amy Cunningham, Brian
Gleeson, Camilla Rutherford, Daniel Day-Lewis, Dinah Nicholson, Elli Banks,
Ellie Blackwell, Geneva Corlett, George Glasgow, Georgia Kemball, Gina McKee,
Harriet Leitch, Harriet Sansom Harris, Ingrid Sophie Schram, Joan Brown, Julie
Duck, Juliet Glaves, Lesley Manville, Maryanne Frost, Nick Ashley, Niki
Angus-Campbell, Pauline Moriarty, Philip Franks, Steven F Thompson, Sue Clark,
Tony Hansford, Vicky Krieps, Zarene Dallas
Trilha Sonora: Jonny Greenwood
Montagem: Dylan Tichenor
Design
de Produção: Mark Tildesley
Figurino: Mark Bridges
Estreia: 25/12/2017
Estreia Brasil: 22/02/2018
Duração: 130
min.
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