A Forma da Água
Crédito em Descrédito
A linha que separa o plágio do
tributo, como sabido, é extremamente tênue. Ao que parece a chave para
distinguir uma coisa da outra envolve a verificação do caráter deliberadamente
homenageador da obra ou, ao contrário, a pretensão de ineditismo por ela manifestada.
A primeira vertente não se escusa de assumir que trabalha com ideias de outrora
adaptadas ao tempo presente¹, ao passo que a segunda não se reconhece enquanto
pastiche e, assim, almeja fazer parecer como originalmente seus os conceitos
que compõem o material, tal como visto em A Forma da Água (EUA, 2017)².
Em seu oscarizado título Guillermo del Toro compila uma penca de criações alheias e as trata
como se fosse algo autoral presunçosamente voltado a servir de metáfora e
crítica à sociedade, sobretudo, norte-americana no que tange seu histórico
namoro com o preconceito e o segregacionismo. Por óbvio, o poder da mensagem
resta maculado pela constatação do quão carente de criatividade é o roteiro escorado
em sequências e enredos antes vistos, por exemplo, em Delicatessen³, Splash – Uma
Sereia em Minha Vida⁴, Free Willy, Forrest Gump, The Space Between Us⁵ e Let Me Hear You Whisper⁶, daí Alexandre Versignassi
ressaltar que: “A Forma da Água [...] traz tantas surpresas quanto um capítulo de
novela das seis. E não brinca com clichês. É só feito de clichês, do primeiro
ao último frame”⁷, compreensão também compartilhada por André Barcinski
que assim acrescenta:
“Del Toro
tem todo o direito de ressuscitar o gênero que quiser. O problema é quando faz
isso usando recursos narrativos mais datados que os filmes que o inspiraram.
Seu filme não é nostálgico, mas velho, mofado e ultrapassado [...].
Guillermo
Del Toro é um Terry Gilliam sem senso de humor. Seus filmes são exercícios
supostamente lúdicos e imaginativos que exigem do espectador uma ingenuidade
que nem todo mundo tem estômago para exercitar.
[...] o
filme apela a uma noção antiquada de “bom cinema”, com personagens claramente
delineados, história edificante, e lições de moral aos borbotões”⁸.
Isto posto, é preciso reconhecer
que, a despeito dos senões mencionados, A Forma
da Água apresenta ótimos trabalhos de direção de arte, fotografia e trilha
sonora que somados conferem ao título certo quê de O Fabuloso Destino de Amelie Poulain, aura cult que, entretanto, é
incapaz de por si só retirar de quem assiste o primeiro a incômoda sensação de
estar sendo alvo de uma tentativa de tapeação corroborada, pasmem, por
indicações a prêmios de melhor roteiro original que, em suma, desprezam a
concessão de crédito a trabalhos pretéritos
de outros artistas, panorama que além de atestar crise de originalidade ainda exemplifica
as práticas canhestras de uma indústria empenhada em agregar selos de qualidade
a seus produtos – independentemente da existência de atributos para tanto.
___________________________
1. Neste diapasão, La
La Land (EUA, 2016) foi à época de seu lançamento apontado por muitos como uma produção plagiadora, acusação equivocada dado o seu nítido intuito de homenagear os musicais a partir de uma série de citações a clássicos do gênero inseridas no bojo de uma história de amor hábil o bastante, por seu turno, para driblar os clichês característicos dessa espécie de narrativa e, destarte, conferir personalidade própria a um trabalho que em momento algum se acanha de reconhecer suas referências.
2. Exceto pela menção a O Monstro Da Lagoa Negra (1954), trabalho do qual o diretor mexicano é
fã confesso.
3. Mais detalhes sobre o assunto podem ser lidos em: http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-137742/
. Acesso em 23/03/18.
4. Neste sentido, sugere-se a
visualização de vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=d0Kx3jqEGh4
. Acesso em 23/03/18.
5. A polêmica pode ser melhor
compreendida através de artigo publicado em: https://www.sabado.pt/gps/detalhe/as-tres-alegacoes-de-plagio-contra-a-forma-da-agua.
Acesso em 23/03/18.
6. Pormenores do caso
disponíveis em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/22/cultura/1519277523_729354.html
. Acesso em 23/03/18.
7. E o Oscar foi
para “Splash – Uma Sereia em Minha Vida”.
Disponível em: https://super.abril.com.br/blog/alexandre-versignassi/e-o-oscar-foi-para-splash-uma-sereia-em-minha-vida/
. Acesso em 23/03/18.
8. A Forma da Água”: pior que bater na mãe. Disponível em: https://blogdobarcinski.blogosfera.uol.com.br/2018/02/13/a-forma-da-agua-pior-que-bater-na-mae/
.
Acesso em 23/03/18.
Ficha Técnica
Título Original: The Shape of Water
Direção:
Guillermo
del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro,
Vanessa Taylor
Produção: Guillermo del Toro,
J. Miles Dale
Elenco: Alexey Pankratov, Allegra Fulton, Brandon
McKnight, Cameron Laurie, Clyde Whitham, Cody Ray Thompson, Dan Lett, Danny
Waugh, David Hewlett, Deney Forrest, Diego Fuentes, Doug Jones, Dru Viergever,
Edward Tracz, Evgeny Akimov, Jayden Greig, John Kapelos, Jonelle Gunderson,
Karen Glave, Lauren Lee Smith, Madison Ferguson, Martin Roach, Marvin Kaye,
Michael Shannon, Michael Stuhlbarg, Morgan Kelly, Nick Searcy, Nigel Bennett,
Octavia Spencer, Richard Jenkins, Sally Hawkins, Sergey Nikonov, Shaila
D'Onofrio, Stewart Arnott, Vanessa Oude-Reimerink, Wendy Lyon
Fotografia: Dan Laustsen
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Montagem: Sidney Wolinsky
Estreia:
01/02/2018 (Brasil)
Duração:
123 min.
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