Gabriel e a Montanha



Confiança em Excesso

Uma vez baseado na história real de um homem que embrenhado em locais ermos, inóspitos acabara falecendo ante as adversas condições de sobrevivência proporcionadas em tais espaços é inevitável que Gabriel e a Montanha (Brasil, 2017) seja comparado com Na Natureza Selvagem (EUA, 2007) ou até, já no campo documental, com O Homem Urso (EUA, 2005). Felizmente, contudo, o cineasta Felippe Barbosa consegue criar uma obra de singularidades próprias que não fica, portanto, sob a sombra daqueles títulos, resultado obtido, sobretudo, graças a paulatina desconstrução do protagonista que a princípio se mostra como um mochileiro boa praça, preocupado com as miseráveis condições em que vivem os africanos, mas que não titubeia em descortinar suas características negativas tão logo vê diante de si uma pessoa que lhe é íntima.

Neste passo, a entrada em cena da mulher que viaja para rever o namorado confere nova dinâmica ao filme na medida em que novas conotações dramáticas e conflitos são agregados à narrativa. Explique-se: a alegria e a excitação pelo reencontro não tardam a esmorecer perante pequenos grandes gestos egoístas de Gabriel que ignora qualquer anseio de sua garota e segue pautando seu comportamento com base apenas em sua vontade, o que, além de desembocar na frustração de alguns planos daquela, denota o egocentrismo de um homem ao que parece convencido de que os outros hão de necessariamente se curvar, adaptar as suas decisões e interesses, pretensão essa que lhe confere uma dose de soberba considerável a ponto de fazê-lo pensar ser experiente o bastante para sozinho escalar uma montanha temida até por nativos – destino esse que como o longa-metragem revela desde o início ensejará o precoce fim da trajetória de Gabriel.
Dito isso, é curioso como a essência presunçosa do personagem principal não o torna insuportável e sim o faz verossímil, eis que tão falível quanto qualquer outro ser humano, contexto esse em que também se inclui uma pressa por vezes desnecessária em trilhar caminhos num prazo abaixo do normal e do razoável, ansiedade essa que deixa a mostra uma urgência de sua parte por ver e curricular que por vezes impedia que a experiência fosse vivida de forma a aproveitar ao máximo o contato com o meio ambiente, agonia que, aliás, soa comum às gerações mais recentes que, em estando conectadas ininterruptamente a tudo e todos, não conseguem direcionar em exclusivo sua atenção para determinadas vivências que, desta feita, restam erroneamente banalizadas.
O verdadeiro Gabriel pode até não ser parecido com aquele mostrado na tela – o que é pouco provável tendo em vista a relação de amizade existente entre o primeiro e o diretor Fellipe Barbosa – hipótese essa que não afeta o êxito de um roteiro cujo protagonista, de tão suficientemente bem escrito, coloca o filme num patamar acima da medida, superando, assim, as mencionadas comparações.
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1. Durante a divulgação do trabalho Fellipe Barbosa assim declarou: “Conheço o Gabriel desde os 7 anos de idade, estudamos juntos até os 18 anos [...] mas em seguida fui morar em Nova York para estudar cinema e perdemos contato. [...] Durante as pesquisas descobri que Gabriel falava muito mais de mim para amigos do que podia imaginar, ele admirava eu ter ido fazer cinema. O filme foi meu reencontro com o Gabriel, estava devendo isso para ele, talvez uma forma de pedir perdão pela minha ausência” (Revista Preview. Ano 8. ed. 97. São Paulo: Sampa, Outubro de 2017. p. 15 e 17).

Ficha Técnica

Direção: Fellipe Barbosa
Roteiro: Fellipe Barbosa, Kirill Mikhanovsky, Lucas Paraizo
Produção: Clara Linhart, Roberto Berliner, Rodrigo Letier, Yohann Cornu
Elenco: Alex Alembe, Caroline Abras, João Pedro Zappa, John Goodluck, Leonard Siampala, Luke Mpata, Manuela Picq, Rashidi Athuman, Rhosinah Sekeleti
Fotografia: Pedro Sotero
Trilha Sonora: Arthur B. Gillette
Montagem: Theo Lichtenberger
Estreia: 02/11/2017
Duração: 131 min.

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