Minha Fama de Mau
Desconexão
aos Anseios do Mundo Contemporâneo
Criado pela cartunista Alison
Bechdel em meados dos anos 80, o teste de Bechdel visava à época ironizar a
forma como Hollywood tratava com desdém suas personagens femininas. A acidez da
anedota que questionava se um filme dispunha de duas mulheres conversando entre
si sobre assunto que não tivesse a ver com algum homem foi incorporada pela
indústria e por críticos que passaram então a agregar a piada uma função analítica
que inaugurou um crivo voltado a forçar uma adequada inserção da
mulher nos enredos, o que em termos práticos significa conceder-lhes papeis que
não se limitem as funções de interesse romântico ou de figura maternal escalada
para servir de apoio ao ser masculino. Por óbvio, tanto a utilização de tal peneira não se restringe a produções hollywoodianas quanto os resultados nem
sempre são satisfatórios, hipótese essa que encontra em Minha Fama de Mau (Brasil, 2018) um exemplo bastante didático, ao
passo que corresponde a trabalho que falha miseravelmente no referido teste.
Destarte, o fato de se tratar da
cinebiografia de Erasmo Carlos, um cantor que na juventude fora boêmio e
mulherengo, não justifica a posição subalterna guardada para as mulheres no
longa-metragem, já que um roteiro minimamente conectado aos atuais anseios da
sociedade se empenharia em, independentemente do plot, não aprisionar aquelas
em categorias estanques que não dialogam umas com as outras, quais sejam:
a) a mãe
protetora cuja vida gira em torno do filho;
b) a
radialista cujo assunto preferido ao microfone é o cotidiano dos astros da
música;
c) as tietes
que servem ao ídolo nos planos sexual e emocional, aspecto esse em que aglutinar
as facetas de várias dessas pessoas em uma única atriz parece uma medida
interessante num primeiro olhar mas que não tarda a frustrar as expectativas de
quem espera um mínimo aprofundamento sobre tal tipo de persona que, contudo, acaba
reduzida em frases de efeito proferidas no intuito de agradar o macho alfa;
d) a donzela
que requer a proteção masculina, viés esse em que irrita o quão desperdiçada é
a recriação da cantora Wanderléa que, a despeito de sua importância para o
movimento da Jovem Guarda e não obstante sua relevância na carreira de Erasmo
Carlos, aparece no filme praticamente apenas para cantar e quando assim não o
faz abre a boca somente em situações de flerte com Erasmo e de lamento pelo fim
da parceria televisiva com Roberto Carlos.
Ultrapassado no modo como lida com
as mulheres, Minha Fama de Mau não
dispõe de um script no qual a presença
nula daquelas é justificada pelo contexto narrativo – tal como visto, por
exemplo, em Cães de Aluguel (EUA, 1992) – daí porque
a forma com que aborda tal gênero resulta antiquada num grau que beira o amadorismo.
E os problemas não param por aí já que a ala masculina sobre a qual se debruça
é vitimada por elipses mal-ajambradas que fragilizam as relações entre os
homens, vide as pífias reconstituições do convívio de Erasmo com Carlos
Imperial e das amizades daquele primeiro com Tim Maia e Roberto Carlos,
relacionamento último esse que lamentavelmente ganha as telas sem a carga emotiva
esperada.
Outro fator que colabora para o
saldo atabalhoado da obra é o excesso de preocupação com a forma em detrimento
do conteúdo, isso porque durante toda sua primeira metade percebe-se a maneira
insistente com que se tenta conferir-lhe uma toada pop alinhada às HQ's, opção estética que, contudo, nenhum valor acrescenta ao título graças
a condução frouxa da trama. Quando na segunda parte enfim se empenha em
simplesmente contar uma história, a produção se torna mais tolerável em meio a
seus vários defeitos – respiro garantido, sobretudo, pela atuação de Gabriel
Leone que compõe um Roberto Carlos ambíguo e, por isso, bem mais instigante do
que a tonelada de canastrice atribuída por Chay Suede ao seu protagonista – cenário
que, entretanto, não é suficiente para dirimir o prejuízo contabilizado ao
longo daqueles extenuantes sessenta minutos iniciais.
FICHA TÉCNICA
Direção: Lui Farias
Roteiro: L.G. Bayão,
Letícia Mey, Lui Farias
Produção: Marco
Altberg
Elenco: Bianca Comparato, Bruno de Luca, Chay Suede, Duda Monteiro,
Felipe Frazão, Gabriel Leone, Isabela Garcia, João Vitor Silva, Luca De Castro,
Malu Rodrigues, Paula Toller, Paulo Machado, Vinicius Alexandre
Fotografia:
Guy Gonçalves
Montagem: Natara Ney
Estreia: 14/02/2019
Duração: 116 min.
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