Clímax


Descida ao Inferno

Clímax (Bélgica, 2018) denota um saudável amadurecimento de Gaspar Noé ao passo em que o choque por ele buscado de maneira visualmente crua e brutal em produções anteriores como Irreversível (2002) e Love (2015) é dessa vez alcançado, considerando seus padrões, de forma moderada e não raro pela via da sugestão, o que torna a experiência tão angustiante ou até pior, eis que é natural horrorizar-se ainda mais aquilo com que não é visto, mas apenas, por exemplo, sentido ou escutado – estratégia essa a qual se soma um jogo de falsas aparências no qual Noé por vezes leva o espectador a pensar que o desenrolar de certos fatos será previsível para adiante revelar que a conclusão pode sim ser muito pior do que aquilo que fora imaginado.

Por isso, não há que se dizer que o longa-metragem é menos intenso que os títulos supracitados, pois o que nele se vê é uma espécie de descida ao inferno na qual o homem abandona toda e qualquer noção de sociabilidade e se comporta como um animal¹, contexto esse em que o sexo e a violência ganham força como espécies de matérias-primas que moldam as pessoas e que representam a verdadeira essência humana escancarada quando camadas mais doces outrora agregadas a conduta são abandonadas.
Dentro deste contexto, Noé firma novamente sua assinatura estética própria repetindo a paleta de tons quentes com predomínio do vermelho tal como visto em seus trabalhos pretéritos. Neste passo, o que poderia soar como um recurso datado é aqui rejuvenescido mediante:
- o acréscimo de tons e intertítulos em neon que harmonizam com a atmosfera da narrativa,
- movimentos de câmera vertiginosos ora mostrados em longos planos sequências que captam o clima inquietante de passeio ao umbral proposto pelo cineasta.
Cabe salientar que em meio as peculiaridades que regem a mise-en-scène característica de sua filmografia, Noé, não obstante permaneça aqui e ali manifestando seu lado ególatra, faz questão dessa vez de reconhecer as influências fílmicas que se espraiam por Clímax tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, vide as capas de VHS que logo no início são mostradas para fazer menção a obras como Um Cão Andaluz (1929), Harakiri (1962), Possessão (1981) e Suspiria (1977), sendo, por certo, as duas últimas produções citadas as que mais ecoam na realização em comento seja pela utilização da dança como uma coprotagonista do filme – referência óbvia àquilo que fizera Dario Argento em seu trabalho – seja pelos delírios individuais que levam alguns a surtos semelhantes aquele interpretado por Isabelle Adjani no terror psicológico dirigido por Andrzej Zulawski.
Com efeito, apesar de alguns diálogos em excesso que poderiam ser podados², Noé conseguira congregar forma e conteúdo de modo balanceado, tarefa que, a despeito da qualidade de suas antigas empreitadas, ainda não havia conseguido fazer com tanto afinco e, o que é melhor, sem deixar de ser visceral.
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1. Se de um lado os personagens estão furiosos à procura de quem os drogou ao batizar a bebida por eles ingerida em uma festa, tal curiosidade não se porta como força motriz da trama que prefere se debruçar sobre a eclosão do lado animalesco do homem, o que, contudo, não quer dizer que a revelação do mistério seja irrelevante pois quando feita lembra o espectador do quão enganador, manipulador e mesquinho o ser humano consegue ser.
2. Embora correta a falta de pressa com que o filme aguarda a droga fazer efeito nos personagens que, ao longo desse processo, vão se desnudando e tornando, desta feita, crível o estágio posterior de seus comportamentos quando já fora de si serão uns mais agressivos que os outros em meio ao caos que será instaurado.

Ficha Técnica

Direção e Roteiro: Gaspar Noé
Produção: Brahim Chioua, Edouard Weil, Gaspar Noé, Olivier Père, Richard Grandpierre, Vincent Maraval
Elenco: Adrien Sissoko, Alaia Alsafir, Alou Sidibé, Ashley Biscette, Claude-Emmanuelle Gajan-Maull, Giselle Palmer, Kendall Mugler, Kiddy Smile, Lakdhar Dridi, Lea Vlamos, Mamadou Bathily, Mounia Nassangar, Romain Guillermic, Sharleen Temple, Sofia Boutella, Souheila Yacoub, Taylor Kastle, Thea Carla Schott, Tiphanie Au
Trilha Sonora: Benoît Debie
Montagem: Denis Bedlow, Gaspar Noé
Estreia: 31/01/2019 (Brasil)
Duração: 95 min.

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