Dois Papas
Tradição e
Progresso
Dois Papas (Argentina, 2019) engrossa o filão composto por
alguns célebres títulos que discorrem sobre questões envolvendo o papado, tais
como As Sandálias do Pescador (1968) e Habemus
Papam (2011), ao imaginar - graças a originalidade ímpar do
roteirista Anthony
McCarten¹ - como se dera o encontro entre Joseph Ratzinger e
Jorge Bergoglio quando este último almejava sua aposentadoria sem
saber da forte chance que carregava de se tornar o novo papa ante a iminente
renúncia daquele primeiro. Neste passo, as personalidades antagônicas dos seres
retratados vão sendo mostradas sem maniqueísmos, pois se num primeiro instante
o filme leva a crer que dividiria os dois como representantes do bem e do mal,
da tradição e do progresso, logo adiante trata de inverter a situação ao
relatar o passado do Papa Francisco e suas questionáveis decisões tomadas
durante a ditadura militar argentina que acabaram por lhe gerar um sentimento
de culpa fomentador de uma busca por penitência que o impulsionou ainda mais a
ser o homem caridoso que todos hoje louvam mundo afora.
Desta feita, o cineasta Fernando Meirelles,
em um bem-vindo retorno ao cinema, mostra o quão mais complexos somos do que as
simples aparências e rótulos, aspecto esse em que merece destaque a forma precisa
com que Anthony Hopkins defende o papel de um homem conservador e ranzinza que desde
cedo com dificuldades no trato social mergulhara nos livros e nas artes
compondo dessa maneira uma redoma solitária na qual poucos conseguiram
adentrar.
Dito isso, o longa-metragem possui
dois únicos senões que, todavia, são plenamente justificáveis, quais sejam:
a) o longo flashback
que retrata a juventude do Papa Francisco, ato que faz o filme perder um pouco
de seu vigor em grande parte decorrente do delicioso duelo de gigantes travado
entre Hopkins e Jonathan Pryce, daí que a saída de cena dos atores, ainda que
momentânea, resta sentida, muito embora seja compreensível a opção do roteiro
por analisar os primeiros passos de Bergoglio no clero para, como já dito,
tornar claras as circunstâncias que moldaram a personalidade atual do sumo pontífice;
b) a apenas breve citação a omissão de Bento XVI
perante os escândalos de ordem sexual envolvendo padres, bem como o assunto da
prisão de seu braço direito, temas, ao que parece, não aprofundados para que o
foco não fosse desviado, afinal, o que interessa para Meirelles é explorar a dinâmica
do convívio entre figuras tão díspares que em meio a um momento tão conturbado
para a Igreja Católica acabaram construindo uma improvável amizade.
Todas essas nuances da narrativa,
vale frisar, são abordadas com bom humor sempre que possível, intenção essa externada
com enorme sutileza pelos atores protagonistas – vide a sequência que acompanha
os créditos finais e que deixa o espectador com um sorriso de orelha a orelha
ao término da sessão.
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1.O roteiro de Anthony McCarten toma por base seu livro homônimo, assunto que Isabela Boscov assim comenta: “A rigor, tudo o que se vê em Dois Papas é especulação — mas especulação informada pelas numerosas manifestações públicas e formais dos dois pontífices, e tão bem escrita pelo roteirista Anthony McCarten, [...] que as interações entre os personagens irradiam autenticidade e plausibilidade” (‘Dois Papas’: a amizade imaginária entre Bento XVI e Francisco. Disponível em https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/dois-papas-a-amizade-imaginaria-entre-bento-xvi-e-francisco/. Acesso em 11/12/19).
FICHA TÉCNICA
Título Original: The Two Popes
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Anthony McCarten
Produção: Tracey Seaward
Elenco: Anthony Hopkins, Fabricio Martin, Federico Torre, Jonathan Pryce,
Juan Miguel Arias, Juan Minujín, Lisandro Fiks, María Ucedo, Matthew T.
Reynolds, Pablo Trimarchi, Sara Pallini, Sidney Cole, Thomas D Williams
Fotografia: César Charlone
Trilha
Sonora:
Bryce Dessner
Montagem: Fernando Stutz
Estreia: 05/12/2019
Duração: 125 min.
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