Retrato de uma Jovem em Chamas


Sem Fetiche

Retrato de uma Jovem em Chamas (França, 2019)  possui um roteiro primoroso dada a forma com que rompe a expectativa de previsibilidade e com que subverte condições sociais em meio a uma narrativa de conotação feminista¹. Neste passo, o longa-metragem cria a falsa impressão de que orbitará em torno do desconhecimento de uma personagem quanto a profissão de outra - e as implicações que isso causará – deixando para o espectador a sensação de que se arrastará por essa linha até seu término, ocasião em que a descoberta da verdade será um choque doloroso que porá fim ao convívio das jovens retratadas. 

Qual não é a surpresa quando o filme sem deixar pontas soltas abandona tal vertente  e soluciona essa parte do drama com objetividade para logo em seguida partir para outros interesses. Nesta toada chama positivamente atenção a maneira como o amor e o prazer são descobertos com naturalidade pelas duas mulheres que ao mesmo não tempo não deixam de ignorar a fugacidade, o prazo de validade do contato por elas mantido dada a necessidade de seguirem adequadas a convenções sociais da época, aspecto esse em que só quem não precisa necessariamente ater-se a tais divisões são as mulheres de classes desfavorecidas que por vias tortas acabam tendo uma dose maior de liberdade sobre seus corpos.

A esse roteiro de muitos elogios é acrescentado um vigoroso trabalho de fotografia que faz das belíssimas locações a ambientação que ora oprime as mulheres e ora lhes é acolhedora servindo de refúgio para aquilo que fazem longe dos olhos da sociedade. Ademais, há de ser salientado o fascinante trabalho de direção de Céline Sciamma que obtém performances irretocáveis de suas atrizes principais sem tentar emular a receita de sucesso de outros romances homossexuais femininos já filmados, o que para alguns é fruto de um olhar não masculinizado nem fetichizado sobre aquelas.

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1.Dentro deste contexto, Marcelo Müller observa: Em Retrato de uma Jovem em Chamas a presença masculina, fisicamente falando, é ínfima [...]. Todavia, o falocentrismo é um vulto incessante sobre a cabeça das mulheres entendidas a partir de seus desejos, mas também da dramaticidade de existências petrificadas com base no gênero” (Disponível em: https://www.papodecinema.com.br/filmes/retrato-de-uma-jovem-em-chamas/. Acesso em 27/01/2020).

 



FICHA TÉCNICA

Título Original: Portrait de La Jeune Fille en Fe


Direção e Roteiro:  Céline Sciamma

Produção: Bénédicte Couvreur, Olivier Père, Rémi Burah, Véronique Cayla

Elenco: Adele Haenel, Armande Boulanger, Cécile Morel, Christel Baras, Clément Bouyssou, Guy Delamarche, Luàna Bajrami, Michèle Clément, Noémie Merlant, Valeria Golino

Fotografia: Claire Mathon
Trilha Sonora: Arthur Simonini, Jean-Baptiste de Laubier
Montagem: Julien Lacheray

Estreia: 09/01/20

Duração: 119 min.

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