Vinil Verde


Ciclo Vicioso
Vinil Verde (Brasil, 2004) utiliza a mesma estrutura narrativa difundida pelo média-metragem francês La Jetée em 1961, qual seja a apresentação de uma sequência de fotografias que juntas contam a história pretendida sem que haja imagem em movimento no sentido tradicional do termo. No caso do curta-metragem de Kleber Mendonça Filho a escolha por tal estética parece atender aos seguintes fins práticos:

a)    viabilizar cenas que em movimento demandariam efeitos visuais para os quais talvez não existisse recursos técnicos e/ou financeiros suficientes;
b)   complementar a atmosfera de um conto infantil, como as páginas ilustradas de um livro sendo passadas conforme o narrador nos vai relatando os acontecimentos da vida de Mãe e Filha”¹;
c)    afastar o roteiro de armadilhas nas quais poderia cair, já que a cada vez que a protagonista desobedece a mãe e ouve certo disco verde proibido por essa última alguma punição incide não sobre a primeira e sim sobre a segunda que, a despeito da extraordinariedade dos reveses que diariamente são renovados e nela despejados, nenhum questionamento tece a respeito.
Dentro deste contexto, os diálogos são substituídos por uma narração em voz over que não deixa brecha para que seja dito nada além daquilo que é de interesse da metafórica trama:  expor que ao término de uma trajetória de ação e reação, ou de “crime e castigo”, o homem acaba por replicar perante seus descendentes e demais pares os mesmos equívocos , medos e restrições que lhe foram impostos no passado².
Dito isso, mesmo que na superfície apresente a toada de um filme de gênero, o que se sobressai em Vinil Verde é o intuito autoral existente por trás da atmosfera de terror. Neste sentido, a mensagem passada nos segundos finais do trabalho une os pontos do roteiro demonstrando que, ao contrário do que aparentava ser, o enredo trata de problemas que não tem a ver com o universo do fantástico e sim com as peculiaridades de natureza psicológica existentes em torno do amadurecimento do ser humano, denotando, desta feita, que o exercício narrativo utilizado para tanto – diferenciado, ainda que não inédito – cria um jogo de falsas impressões cujo resultado exitoso impede que o modus operandi seja visto como mero capricho estilístico.
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1. ROMERO, Heitor. Quando toca o disquinho verde... Disponível em https://cineplayers.com/criticas/vinil-verde. Acesso em 20/04/2020.
2. Wibsson salienta que através de Vinil Verde Kleber Mendonça Filho dá início ao estudo sobre a classe média que tem permeado sua filmografia, senão vejamos: “Inevitavelmente olhamos para esse filme observando os filmes posteriores do diretor e já cientes de que o tema da vida em apartamentos, condomínios e as contradições que podem existir dentro desses locais são a tônica de quase todos os seus longas e curtas. Dessa forma, Vinil Verde pode ser visto como uma história inicial de uma série que tem como mote a vida nesses espaços, ou mesmo poderíamos dizer que a fábula serve à função de fotografar a vida de uma mãe e sua filha dentro de um ambiente fechado de poucos cômodos, realizando seus afazeres domésticos, quase um estudo inicial sobre o tema”. (Dois filmes de Kleber Mendonça Filho. Disponível em https://medium.com/@Wibsson/dois-filmes-de-kleber-mendon%C3%A7a-filho-ae564673467c. Acesso em 20/04/2020).

FICHA TÉCNICA

Direção e Fotografia: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho, Bohdana Smyrnova
Produção: Kleber Mendonça Filho, Daniel Bandeira, Isabela Cribari, Leo Falcão
Elenco: Verônica Alves, Ivan Soares, Gabriela Souza
Montagem: Kleber Mendonça Filho e Daniel Bandeira
Música: Silvério Pessoa, Wilson Farias e Tonca
Duração: 17 min.

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