Quando Fala o Coração

Didatismo Reducionista

Segundo Laísa Trojaike: “existem formas positivas de didatismo. Um filme que explica a própria trama é didático de um jeito ruim, porque pressupõe que o espectador não é capaz de entender uma trama complexa”¹. Partindo desse pressuposto Quando Fala o Coração (EUA, 1945) enquadra-se como caso negativo de didatismo. Num tempo em que a psicanálise ainda não era assunto popular, o filme de Alfred Hitchcock bate e rebate em certas teclas para reforçar a lógica do enredo para o público, o que não raro soa como uma aula enfadonha e fundada em exemplos questionáveis, já que os personagens que militam na área do subconsciente tecem diagnósticos apressados e formatados que, por certo, diminuem o grau de dificuldade do ofício.

Em meio a isso tem-se uma trama policialesca que não engrena graças a inconsistência com que o longa-metragem mescla elementos tradicionais do gênero com pretensas explicações de cunho psicanalítico, cenário que é agravado pela inserção de um romance que igualmente não convence face a interpretação canastrona de Gregory Peck e ao desprezo machista do roteiro para com a personagem de Ingrid Bergman que de analista respeitada e acostumada a driblar galanteios pueris cai de amores não mais que de repente por uma figura problemática que a faz abandonar o profissionalismo e a sensatez numa demonstração de que para as mentes da época por mais independentes que tentassem ser as mulheres no fundo o que as mesmas desejavam era ter ao lado uma presença masculina, o que em assim ocorrendo as levaria de modo delirante a abdicar de todas as suas conquistas sociais, perspectiva para a qual a protagonista tem a graça de ser alertada, ora pois, por outro homem que, uma vez tendo sido seu instrutor científico, ainda a vê como pupila e subalterna que ultimamente anda lhe atormentando com “coisas de mulher”.

Dito isso,  Quando Fala o Coração além de não ter nascido bem envelhecera de forma ainda pior, o que torna um tanto injustificável o enorme encanto da crítica pelo título, exceção dentro deste contexto que há de ser feita quanto a trilha sonora de Miklós Rózsa que inclusive recebera um Oscar pelo trabalho², bem como para com a inteligente ideia de contar com a colaboração de Salvador Dalí, enquanto artista representante do surrealismo, para compor as sequências de sonhos do atormentado amnésico interpretado por Peck.

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1.    Crítica: Destacamento Blood é uma obra-prima que técnica que exige esclarecimentos. Disponível em: https://canaltech.com.br/entretenimento/critica-destacamento-blood-netflix-166492/. Acesso em 20/06/2020.

2.Trata-se da primeira trilha sonora a utilizar “o zumbido eletrônico do teremim, cuja sonoridade sinistra e ondulante se tornou uma pedra angular de muitos filmes do gênero” (KLEIN, Joshua in SCHNEIDER, Steven Jay (org.). 1001 filmes para ver antes de morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. p. 201).

 

FICHA TÉCNICA

Título Original: Spellbound

Direção: Alfred Hitchcock

Roteiro: Angus MacPhail, Ben Hecht

Produção: David O. Selznick

Elenco: Art Baker, Bill Goodwin, Donald Curtis, Gregory Peck, Ingrid Bergman, John Emery, Leo G. Carroll, Michael Chekhov, Norman Lloyd, Paul Harvey, Regis Toomey, Rhonda Fleming, Steven Geray, Wallace Ford

Fotografia: George Barness

Trilha Sonora: Miklós Rózsa

Duração: 111 min.

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