Um Dia

Perda da Individualidade

Um Dia (Hungria, 2018) aborda um tema comum a muitos mundo afora: a rotina doméstica, nesse caso configurada numa sequência de compromissos e cuidados com a casa e, sobretudo, com os filhos, aspecto esse em que um sem número de tarefas escolares faz a protagonista passar manhãs, tardes e noites perambulando pela rua indo ora deixá-los ora buscá-los em suas atividades, configuração que, por óbvio, ocupa a responsável a ponto desta não mais ter tempo para realizar de maneira satisfatória suas próprias coisas de trabalho nem de pôr em prática planos já há muito adormecidos, o que denota um processo de perda da individualidade no qual o ser já não mais contesta nem lamenta a realidade que lhe cabe, limitando-se, desta feita, a seguir em frente mesmo sem perspectiva de melhora porque um interesse maior prevalece, qual seja o bem-estar dos rebentos, daí porque soa tão inócua as intervenções daqueles que incomodados tentam com palavras incentivar aquela mãe a não se restringir a tal dinâmica - por maior que seja a boa vontade daqueles que querem ver a atribulada genitora dar uma pausa em benefício próprio, não conseguem essas figuras conselheiras captar a urgência de um tempo que não permite paradas seja porque as contas não cessam de chegar seja porque as necessidades dos filhos acumulam-se diariamente.

Não bastasse tal vivência sufocante, a personagem principal ainda lida com a derrocada de seu casamento, eis que o marido tão dedicado a prole e cansado da mesmice quanto aquela acaba sucumbindo ao sabor de fuga e de novidade oferecido por outra mulher. Sem espaço nem forças para se dedicar a causa da salvação matrimonial, a protagonista arrisca apenas alguns tímidos passos nesse sentido¹ que a bem da verdade tentam camuflar seu real desejo de tal qual uma criança esconder-se embaixo de uma mesa para assim afugentar todos os problemas e cobranças. Por mais que a solução dos conflitos no universo adulto não advenha de tal espécie de postura infantil, é inevitável sensibilizar-se com o cansaço e desespero daquela pessoa principalmente na cena final que de tão simbólica alça o filme a um patamar diferenciado de qualidade.

___________

1.Como bem observa Marcelo Müller: A economia da encenação construída pela cineasta Zsófia Szilágyi sobressai desde o princípio, na cena insólita e constrangedora com a esposa e a amante. Sem rompantes, tampouco histrionismos, fica fácil compreender a personalidade da mãe que internaliza boa parte de suas angústias, poucas vezes se abrindo para torna-las conhecidas pelos interlocutores. A narrativa acompanha um cotidiano sem tantas novidades, nem eventos determinantes, excepcionais ou o que os valha. A imperativa necessidade de seguir adiante fala mais alto. (Disponível em: https://www.papodecinema.com.br/filmes/um-dia-2/. Acesso em 22/06/2020).

 

ficha técnica

Título original: Egy Nap

Direção: Zsófia Szilágyii

Roteiro: Zsófia Szilágyii, Réka Mán-Várhegyi

Produção: Edina Kenesei, Ági Pataki
Elenco: Zsófia Szamosi, Leo Füredi, Ambrus Barcza, Zorka Varga-Blaskó, Márk Gárdos, Annamária Láng, Éva Vándor, Károly Hajduk

Fotografia: Balázs Domokos
Montagem: Máté Szórád
Som: Tamás Székely
Trilha Sonora: Máté Balogh
Design de Produção: Judit Varga
Lançamento: 11 de outubro de 2018

Duração: 99 min.

Comentários

LEIA TAMBÉM