Selfie

 Delegação em Excesso

 

Em Selfie (Itália, 20149) o cineasta Agostino Ferrente delega a escolha daquilo que será objeto de registro pela câmera a Pietro e Alessandro, dois adolescentes por aquele selecionados graças a proximidade que mantinham com Davide, jovem morador de bairro periférico dominado pela Camorra que acabara morto pela polícia em uma abordagem atabalhoada que tratara a vítima como se criminoso fosse.

Nesta toada, ao confiar Iphones aos protagonistas para que através dessa ferramenta filmassem seus cotidianos marcados pela falta de perspectiva quanto a um futuro melhor, Ferrente consegue tocar em assuntos sensíveis como os já citados, bem como em questões envolvendo sexualidade reprimida, submissão feminina e função da arte enquanto agente transformador de vidas - no que se insere, ainda, uma discussão do compromisso do documentário para com a verdade seja ela melancólica ou inspiradora.

É uma pena, entretanto, que, ante a inexperiência e imaturidade dos jovens que conduzem a narrativa, assuntos importantes não sejam explorados a contento e acabem não raro ficando dispersos em meio a determinadas cenas que consomem tempo e nada acrescentam, circunstância cujo maior exemplo se materializa nos totalmente desnecessários segundos em que um dos jovens, talvez no afã de ilustrar seu ócio, filma a si mesmo defecando, instante que denota quão carente de controle por vezes ficara a condução do filme, daí seus intuitos investigativos e denunciativos - sobretudo quanto ao tema da juventude que sem educação subsiste em uma sociedade na qual o crime bate as suas portas - resultarem desprovidos de análise. Destarte, o que se percebe é um contentamento com a mera observação descritiva, o que sem dúvida é pouco ante as intenções que nitidamente maiores acabaram sacrificadas pela decisão de dividir com os operadores de câmera e personagens principais a direção do material¹ – a despeito de equivocada e injustamente não serem atribuídos créditos nesse sentido.

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1. Dentro deste contexto, Bárbara Demerov comenta: “O trabalho do diretor soa mais como uma companhia distante aos jovens personagens, não exatamente um guia. Ferrente apenas dá as coordenadas de como usar a câmera - e o resto é com Alessandro e Pietro, no sentido de contarem suas vivências e de explorarem a cidade juntos. O olhar da câmera já não é mais do diretor. [...]Selfie entra num patamar diferenciado dentro do gênero, em que o próprio diretor que assina a obra não tem poder diante das escolhas de suas personagens.” Aos olhos de quem está realmente ali. Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/filme-270643/criticas-adorocinema/. Acesso em 09/09/20.

 

FICHA TÉCNICA
Direção: Agostino Ferrente

Elenco: Pietro Orlando, Alessandro Antonelli

Montagem: Letizia Caudullo e Chiara Russo

Estreia Itália: 30/05/19

Duração: 78 min.

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