A Árvore
Metaforicamente Belo
No que diz respeito a absorção de signos e mensagens, a interação de uma
obra cinematográfica com os espectadores é algo que indiscutivelmente varia
conforme o grau de experiências e sentimentos acumulados ou no momento
experimentados por cada um que a assiste.
A Árvore (França/Austrália, 2010), dentro deste contexto, é um filme que, do
início ao fim, lança mão de metáforas para tratar sobre ritos de transição, hipótese
essa na qual as ideias, apesar de claras, vem sempre embutidas em delicados e
poéticos contextos imagéticos que levam o envolvimento do público – e não sua
capacidade de compreensão – a oscilar conforme o fator outrora elencado.
Isto posto, analisemos seu enredo: abalada pela súbita morte daquele que era
um marido e um pai, família se vê obrigada a lidar com a dor da ausência e a
ensaiar os primeiros passos de independência que o prosseguimento da vida
requer.
No papel esse pode até parecer um mote banal, mas eis que a diretora Julie
Bertuccelli aproveita para entregar um
belíssimo prólogo e adiantar, assim, o tom que será dado para a produção. Neste
sentido, em duas sequências precisas quanto ao tempo, som e fotografia, Bertuccelli:
Ø apresenta a intimidade de um casal que mesmo
após anos de relação ainda se mantém apaixonado;
Ø bem como, demonstra a veneração de uma filha
por um pai – exemplificada no orgulho desta em utilizar o relógio que diariamente era usado por
aquele.
A partir desse ponto de partida a personagem Simone, única menina
da família, é eleita como foco narrativo da trama, o que, ressalte-se, não
implica dizer que os demais membros da despedaçada célula familiar sejam sacrificados,
eis que, ao contrário, a forma com que cada um encara a perda é explorada por Bertuccelli
com uma sutileza digna de Sofia Coppola.
Assim, eis o que se vê:
· a filha Simone (brilhantemente interpretada
pela novata Morgana Davies) é
quem mais se permite encarar de frente a morte do pai – embora, na concepção
quadrada dos adultos, a tentativa de resgate do genitor, através da figura de
uma árvore, não passe de uma fuga permitida pelo mundo de imaginação próprio da
infância – daí porque a garota é talvez a única que não se apresse a se
acostumar com a ausência de seu ídolo, preferindo, assim, permanecer utilizando
com devoção o mencionado relógio de pulso que lhe fora deixado como presente de
despedida, além de continuar convivendo e conversando com pai agora para ela
embrenhado na figueira que rodeia sua casa;
· o filho do meio, na esperança de chamar a
atenção e, ato contínuo, tirar a mãe do estado de letargia, corta ele próprio
os cabelos. Tentando bancar o homem valente que não chora, o garoto também
comunga do amor que sua irmã sente pela árvore e por seu significado enquanto
elemento vivo que esteve sempre ao lado de sua família. Entretanto, a forma com
que o menino demonstra seu carinho é velada, optando, desse modo, por olhar e
apreciar a figueira através do computador, bem como a regá-la enquanto todos
ainda dormem – para que, desta feita, ninguém presencie seu ato de cuidado e de
transgressão as leis de racionamento;
· o irmão mais velho se esconde na boçalidade
da adolescência para ignorar o falecimento do pai, mas, ao substituir a
mensagem que o falecido deixara na secretária eletrônica, acaba utilizando
palavras semelhantes aquelas que foram apagadas. Titubeante quanto a
necessidade de ajudar a mãe no processo de subsistência da família, o rapaz
pede um emprego, porém, fica perdido e sem saber o que fazer quando é
imediatamente admitido;
· o filho caçula ainda nem fala, logo, não tem
ciência imediata dos eventos ocorridos, o que, ainda assim, não impede seu
amadurecimento, daí sua primeira frase completa (“Mamãe não quero morrer”) ser balbuciada numa situação de extremo
risco;
· por fim, a mãe, sem hesitar, adentra na
melancolia, esquecendo por um instante de si, dos filhos e dos afazeres
domésticos até que se vê obrigada a sair de casa para cuidar de coisas do
dia-a-dia. Embora não aparente, a mulher não que se desapegar das lembranças –
seja pela dificuldade em se desvencilhar das vestimentas do marido; seja pela
facilidade em confundi-lo, vê-lo na presença de outro homem; seja pela
naturalidade com que dorme entre galhos da árvore como se aqueles fossem os
braços do ser amado – daí porque terá de aprender com a filha a melhor maneira
de encarar a solidão e seguir adiante.
Superada a análise dos membros da família, cabe ainda dizer que tão
eficiente quanto a abertura é o ato final do longa-metragem, ocasião essa em
que uma nova metáfora é apresentada mediante a chegada de um ciclone que, se
num primeiro olhar representa a devastação do lar e da vida daqueles
personagens, em seguida, se revela como o instante em que a pessoa que se fora
deixa de ser alternativamente materializada para se tornar uma feliz recordação
de algo que um dia acontecera.
Dada a carga dramática de seu roteiro (adaptado), A Árvore poderia tranquilamente resvalar no tom novelesco, todavia,
o lirismo e a forma positiva com que o presente é encenado e o futuro é
sugerido deixam a agradável sensação de que, embora não escapemos da finitude
característica do ciclo da vida, as lembranças daquilo que deixamos, daqueles
que por nós passam, dão a ela o sabor inestimável e o sentido tão procurado.
COTAÇÃO – ۞۞۞۞
Título original: L'Arbre
Direção: Julie Bertuccelli
Roteiro: Julie Bertucelli, baseado em
roteiro original de Elizabeth J. Mars e em livro de Judy Pascoe
Produção: Laetita Gonzalez
Elenco: Aden
Young (Peter O'Neil )Patrick Boe (Mr. Lu) Bob
MacKay (Ab)Zoe Boe (Megan Lu)Gillian
Jones (Vonnie)Penne Hackforth-Jones (Mrs. Johnson)Gabriel
Gotting (Charlie O'Neil)Charlotte
Gainsbourg (Dawn O'Neil)Morgana
Davies (Simone O'Neil)Marton
Csokas (George Elrick)Christian
Byers (Tim O'Neil )Tom Russell (Lou O'Neil )Arthur
Dignam (Uncle Jack)
Fotografia: Nigel Bluck
Música: Grégoire Hetzel
Edição: François Gédigier
Figurino: Joanna Park
Duração: 100 min.
Curiosidade:
“Coincidentemente, a diretora [Julie Bertucelli] passou por uma experiência parecida pouco antes
das filmagens. Seu marido, o diretor de fotografia Christophe Pollock, morreu
em 2006, deixando-a com dois filhos pequenos” (FONTE: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/em+a+arvore+charlotte+gainsbourg+encara+morte+do+marido/n1237926299029.html).
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