Lumière e Companhia
Muita
Homenagem e Pouca História
Um projeto beneficente chamado Playing for Change reúne músicos de todos os continentes para a
execução de clássicos do cancioneiro pop. Neste contexto, cada artista toca
separadamente seu instrumento no respectivo local de residência para que
adiante sons e imagens sejam editados em estúdio/ilha de edição a fim de um
posterior lançamento em CD e DVD.
Dentro deste contexto, Lumière e Companhia (Dinamarca/Espanha/França/Suécia, 1995) representa uma
espécie de versão anterior e cinematográfica da ideia na medida em que convoca
quarenta cineastas de diversas nacionalidades para, no ano do centenário do
cinema, criarem filmes via cinematógrafo e com um modus operandi semelhante ao dos irmãos Lumière em 1895.
Em sendo homenagem a uma “invenção” francesa, há um
compreensível predomínio de europeus dentre os cineastas convidados, no que se
incluem, por exemplo, os franceses Jacques Rivette e Claude Lelouch, o
austríaco Michael Haneké, os gregos Costa-Gravas e Theodoros Anegelopoulos, o
alemão Win Wenders, a norueguesa Liv Ullman, o catalão Bigas Luna, o belga Jaco
Van Dormael e os britânicos Peter Greenaway e John Boorman. Já entre os não
europeus figuram o iraniano Abbas Kiarostami, o chinês Zhang Ymou, os
norte-americanos James Ivory, David Lynch, Spike Lee e Arthur Penn, por exemplo.
Em meio a tal contingente alguns respeitam piamente
as condições em que filmavam os Lumière, leia-se sem movimentação de câmera nem
cortes, e entregam trabalhos fieis a proposta, porém, pouco inspirados, como é
o caso dos curtas de Spike Lee, Jaco Van Dormael, Liv Ullmann – que acaba
desperdiçando a presença em tela do renomado diretor de fotografia Sven Nikvyst
– bem como da realização de Win Wenders - que deixa a originalidade de lado
para apenas fazer referência a seu Asas
do Desejo.
De modo inverso, dentre os trabalhos submissos as
regras, mas dignos de aplausos destacam-se as sequências de John Boorman – o qual
se vale de sua presença nos bastidores da filmagem do longa-metragem Michel Collins, de Neil Jordan, e da
participação dos atores Liam Neeson, Aidan Quinn e Stephen Rea, para compor um
trabalho metalinguístico que ainda flerta com o conceito da quebra da quarta
parede -, Zhang Ymou - que utilizando como locação a muralha da China entrega
um dos mais divertidos segmentos do documentário – e Helma Sanders – cujo mérito
fora o de lançar mão da luz, com esmero, para, metaforicamente, homenagear o
iluminador Louis Cochet.
Por seu turno, dentre os rebeldes que quebram os
paradigmas da não utilização de cortes e de movimentos estão, por exemplo, Abbas
Kiarostammi, David Lynch e Peter Greenaway, os dois herméticos como de costume,
e Gabriel Axel responsável pela realização do melhor dentre todos os travellings feitos com o cinematógrafo.
Ante tantas minúcias e peculiaridades o documentário
inevitavelmente acaba se direcionando para os já iniciados nos assuntos da
sétima arte, já que estes, em decorrência do conhecimento prévio acumulado
sobre as trajetórias e filmografias dos diretores, tem mais condições de se
deliciar com as incursões desses artistas pela manipulação do cinematógrafo.
Concomitantemente, entretanto, o mesmo público, exigente, poderá se incomodar
não só com a irregularidade característica de compilações como essa, mas,
sobretudo, com a deliberada ausência de um olhar sobre o aspecto histórico,
afinal, o filme reverencia o cinematógrafo sem fazer qualquer menção ao longo
processo de invenções que nele culminaram e que fora iniciado a partir das
câmeras escuras, depois com o registro fotográfico de Joseph Niépce, passando
ao daguerreótipo de Louis Daguerre e, em seguida, para as primeiras tentativas
de emprego de movimento a imagem vistas nos nicklodeons
e já por fim nos experimentos dos irmãos Skaladanowsky que foram freados pela
chegada do instrumento criado pelos irmãos Lumière.
A história, em se tratando do documentário ora
analisado, cedeu lugar a pura reverência fetichista. Por certo, a homenagem seria
mais completa se ao invés de perguntas tolas feitas aos cineastas fosse deles
extraído seus conhecimentos sobre a história do nascimento do cinema.
FICHA TÉCNICA
Título
Original: Lumière et
Compagnie
Direção: Theodoros Angelopoulos, Vicente
Aranda, John Boorman, Youssef Chahine, Alain Corneau, Costa-Gavras, Raymond
Depardon, Francis Girod, Peter Greenaway, Lasse Hallström, Hugh Hudson, Gaston
Kaboré, Abbas Kiarostami, Cédric Klapisch, Andrei Konchalovsky, Spike Lee,
Claude Lelouch, Bigas Luna, Sarah Moon, Arthur Penn, Lucian Pintilie, Helma
Sanders-Brahms, Jerry Schatzberg, Nadine Trintignant, Fernando Trueba, Liv
Ullmann, Jaco van Dormael, Régis Wargnier, Wim Wenders, Yoshishige Yoshida,
Zhang Yimou, Merzak Allouache, Gabriel Axel, Michael Haneke, James Ivory,
Patrice Leconte, David Lynch, Ismail Merchant, Claude Miller, Idrissa
Ouedraogo, Jacques Rivette
Produção: Neal Edelstein, Fabienne
Servan-Schreiber, Søren Stærmose
Roteiro: Philippe Poulet (ideia original)
Fotografia: Didier Ferry, Frédéric LeClair,
Sarah Moon, Philippe Poulet
Montagem: Timothy Miller, Roger Ikhlef
Direção de Arte: Anne Andreu
Trilha Sonora: Jean-Jacques
Lemètre
Estúdio: Cinétévé, La Sept-Arte, Igeldo
Komunikazioa, Søren Stærmose AB, Canal+, Musée du Cinéma de Lyon
Duração: 88 min.
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