No
Contundente
e Bem Humorado
Anos 80. A América do Sul vive sob a sombra da
ditadura. No Chile Augusto Pinochet determina, como forma de legitimar seu
governo ante a opinião internacional, a realização de plebiscito para decidir
sobre sua permanência ou não no poder¹.
A princípio esse seria um processo eleitoral de vencedor
predeterminado face a numerosa abstenção de votos que atenderia aos interesses
dos militares. O possível não comparecimento da população as urnas, neste
sentido, se deveria tanto ao temor por represálias – as execuções e
desaparecimentos de oposicionistas era uma constante – quanto pelo comodismo
acarretado em alguns pela falsa impressão de estabilidade econômica pregada
pela Administração Pública².
A reversão desse amargo quadro se deu a partir de um
ousado conceito publicitário criado para alertar o povo quanto a necessidade de
votar contra Pinochet. Dando as costas para o rancor panfletário de muitos que
se opunham a opressão, uma equipe de publicitários preferiu apostar num produto
diferente e inusitado a ser vendido: um futuro mais alegre. Aparentemente
simples, a ideia, num primeiro momento, desagradara as lideranças por trás da
campanha pelo ‘não’, mas, de maneira inversa, fora aos poucos conquistando a
população e surpreendendo os governistas que, num boçal exercício de
subestimação, ignoraram o quão politizado o povo de seu país poderia se mostrar.
No (Chile/França/EUA, 2012) aborda esse
recente trecho da história chilena sob a curiosa ótica dos publicitários
envolvidos com o plebiscito. Dito isso, o que se vê é uma interessantíssima
aula de publicidade ilustrada por exemplos tanto dos muitos métodos de
persuasão utilizados por esta, quanto das conexões nem sempre éticas de profissionais
da área em meio a política. Neste passo, tal qual a alegria estimulada pelo
personagem de Gael Garcia Bernal em seus anúncios anti-Pinochet, o diretor Pablo Larraín também emprega
considerável dose de alto astral a seu filme, tornando-lhe, por conseguinte,
envolvente, irônico e articulado, afinal, não é porque se esquiva de uma toada
sisuda que o longa-metragem deixa de ser contundente quanto a sua postura
política – aspecto esse, aliás, que o assemelha aos melhores títulos de Costa-Gravas.
Logicamente a narrativa assume o lado dos opositores
ao regime, contudo abre espaço também para os militares e, o que é melhor, sem
qualquer tipificação estereotipada. Cada grupo é abordado da forma mais natural
possível, destacando-se apenas a diferença existente entre os seus respectivos
objetivos, eis que enquanto uns visavam interesses próprios outros pensavam no
bem estar da coletividade. Essa naturalidade, vale dizer, é refletida no
caráter documental da mise-en-scène
sobretudo no que tange a fotografia marcada pelo predominante uso de câmera na
mão e pelo formato de vídeo utilizado que remete ao padrão de imagem da época³.
Aliás, No só não se torna um
documentário encenado porque Larraín não esquece de também
manejar a ficção, arranjando, assim, tempo para analisar seu protagonista (e respectivo
antagonista) no que tange sua intimidade e o modo como o trabalho por ele cumprido
afeta sua vida familiar e profissional – isso porque neste último quesito resta
nítido o quão prosaicas se tornam todas as missões enfrentadas após o
cumprimento de uma tarefa tão importante e grandiosa que fora convocar os
chilenos para civicamente depor Pinochet.
Como visto, No
percorre muitos caminhos sem jamais descarrilar. Neste sentido, é
fascinante como tudo nele funciona de maneira precisa⁴, o que faz da obra, numa justa e
simples definição, um filmaço.
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1. Pinochet chegara ao poder através de um golpe militar arquitetado contra
o governo de Salvador Allende, trecho esse da história que fora encenado no
drama Chove Sobre Santiago dirigido,
em 1976, por Helvio Soto e protagonizado por Jean-Louis Trintignant.
2. Segundo Alfredo Castro, ator que interpreta o rival do personagem de Gael
Garcia Bernal em No: “O Chile está melhor para algumas pessoas,
que eram ricas e estão mais ricas. Mas os pobres estão cada vez mais pobres.
Essa diferença continua abismal. O plano de Pinochet era acabar com os
políticos e com a ideologia no Chile, e ele conseguiu” (FONTE: Revista Preview. Ano 3. ed. 39. São Paulo: Sampa, Dezembro de 2012. p.62).
3. O filme foi rodado todo em videotape, mais precisamente, no formato U-matic.
De acordo com Pablo Larrain a intenção era fundir imagens de arquivo e
encenadas para que as pessoas não notassem a diferença entre elas. Para tanto “Vinte câmeras quebradas foram compradas em Utah
e transformadas em quatro câmeras de vídeo por um engenheiro de Hollywood”
(FONTE: Op. Cit. p. 63).
4. No que se inclui, cabe destacar, o eficiente trabalho de montagem que utiliza
com sapiência as preciosas imagens televisivas originais.
FICHA TÉCNICA
Direção: Pablo Larraín
Produção: Daniel Marc Dreifuss, Juan de Dios
Larrapin, Pablo Larraín
Roteiro: Pedro Peirano
Elenco: Gael García Bernal, Alfredo Castro,
Antonia Zegers, Néstor Cantillana, Luis Gnecco, Marcial Tagle, Diego Muñoz,
Manuela Oyarzún, Jaime Vadell
Estreia
no Brasil: 21
de Dezembro de 2012
Duração: 110
min.
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