Somos Tão Jovens
Manfredini
e o BRock
“ – Ai, não acredito que já
acabou”, “ – Poxa, eu queria que agora começasse Faroeste Caboclo”, foram frases que ouvi ao término de Somos Tão Jovens (Brasil, 2011),
lamentação essa ratificada pelo restante da plateia que, em coro, soltou ao fim
da sessão um “aaaaaaaaaaaaa” dos mais sinceros. Tamanha vontade de não interromper
a experiência se deve ao fato de ser este um trabalho deveras cativante que abrange
não só os primeiros passos artísticos do ídolo de uma geração como também
sintetiza uma fração da história do nascimento do BRock, último movimento
musical de valor testemunhado em nossas terras.
É bem verdade que o recorte
candango desse levante já havia sido visto recentemente no documentário Rock Brasília – Era de Ouro (Brasil,
2011), contudo, Somos Tão Jovens vai
além da frieza da linguagem documental e injeta doses e mais doses de emoção na
recriação de uma época, de um local e na encenação de fatos dispersos que
contribuiriam para a sedimentação de um novo rumo a ser tomado pela música
brasileira¹.
Neste passo, impressiona a riqueza
de detalhes percebida na direção de arte responsável por trazer as telas a
Brasília dos anos 70, nos figurinos precisamente conectados ao que então era
usado e, sobretudo, no roteiro que reúne um grande número de eventos para
narrar o surgimento de um ícone cuja história se confunde com a de sua própria
geração. Assim, o filme destaca momentos preciosos como, por exemplo, as reuniões
da turma da colina, os desencontros entre a disco
music tocada nas rádios e o punk rock idolatrado por aqueles adolescentes,
as menções ao Colégio Marista no qual eles estudavam, a aproximação de Renato
Russo com André Pretorius e Hermano Vianna, o ataque de pânico de Ico Ouro
Preto, irmão de Dinho, minutos antes de uma apresentação do Aborto Elétrico, o
show realizado no município de Pato de Minas – atenção nesse momento para a
participação especialíssima de Philippe Seabra, integrante do Plebe Rude, na
pele de um prefeito pasmo com a juventude que a sua frente se mostrava – a
famosa festa da rockonha que levou muitos em cana, a colaboração dos Paralamas
do Sucesso para o futuro lançamento nacional da Legião Urbana, e por aí vai...
Praticamente tudo o que ocorrera
musicalmente na capital federal naquele período fora registrado no script de Marcos Bernstein que ainda
encontra espaço para criar a personagem semificcional Aninha – a qual, junto ao
protagonista, participa de uma das sequências mais iluminadas do longa-metragem
ao som de “Ainda é Cedo”. No que tange as músicas, pulsam na tela de tal forma os
primeiros rocks compostos por Renato na fase Aborto Elétrico - no que se
destaca a versão de “Tédio com um T Bem Grande Pra Você” - bem como as canções
da fase ‘trovador solitário’, que ao espectador se revela impossível conter o
desejo de cantarolá-las.
Por óbvio, o absoluto êxito dessas
recriações em muito se deve a mediúnica interpretação de Thiago Mendonça que impressiona
não só pela aparência física e dominação precisa das expressões faciais e
trejeitos do músico, mas principalmente pelo alcance de um tom vocal que de tão
idêntico transforma o Renato Russo que conhecemos e sua versão cinematográfica
num só ser, repetindo, assim, uma façanha antes feita por Daniel Oliveira em Cazuza – O Tempo Não Pára (Brasil, 2004).
A minuciosa e competente encenação
dos eventos citados ilustra de modo definitivo o que aspirava Renato Russo e o
que significava para ele seus amigos o que hoje é conhecido como BRock,
movimento que de acordo com a ótica de um dos melhores e mais gabaritados
relatores do período, Arthur Dapieve:
“Era o
reflexo retardado no Brasil menos da música do que da atitude do movimento punk
anglo-americano: do-it-yourself,
ainda que não saiba tocar, ainda que não saiba cantar, pois o rock não é
virtuoso. Era um novo rock brasileiro, curado da purple-haze psicodélica-progressiva dos anos 70, livre de letras metafóricas
e do instrumental state-of-the-art,
falando em português claro de coisas comuns ao pessoal de sua própria
geração:amor, ética, sexo, política, polaroides urbanos, dores de crescimento e
maturação – mensagens transmitidas pelas brechas do processo de
redemocratização”².
Somos Tão Jovens possui potencial para ser um fenômeno de
bilheteria não apenas porque fala de Renato Russo, mas especialmente por ser um
trabalho redondo, muito bem costurado, dirigido e narrado³ cujas falhas são
detectadas somente após um deliberado exercício de chatice (sim, as versões de Herbert
Vianna e Dinho Ouro Preto são fakes
até o último fio de cabelo) que, entretanto, jamais sobrepõe o saborosíssimo
saldo final de um projeto que, convenhamos, não inspirava muita expectativa.
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1. O “estouro da geração 80, com discos bem distantes do padrão MPB, forçou
a indústria fonográfica brasileira a se matricular num curso intensivo de
produção e de técnicas de gravação. ‘A grande renovação daquela geração foi
tecnológica’, opina Carlos Beni, ex-baterista do Kid Abelha e produtor do
Biquini Cavadão. “Nossa contribuição musical não se compara a da Bossa Nova,
por exemplo. Houve uma renovação de linguagem nas letras, foi basicamente isso.
Mas, em técnica de gravação, produção e arranjo, houve um salto. Os artistas da
MPB não se preocupavam com isso” (FONTE: Showbizz.
Ed. 16. Ano 14, n° 12. Dezembro de 1998. p. 34).
2. BRock – O Rock Brasileiro
dos anos 80. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995. p. 195.
3. Afinal,
a cinebiografia trata de explorar a cumplicidade do público soltando ganchos
nos diálogos que remetem as canções compostas por Renato Russo.
FICHA TÉCNICA
Direção: Antonio Carlos Fontoura
Produção: Letícia Fontoura, Antonio Fontoura
Roteiro: Marcos Bernstein
Elenco: Thiago Mendonça, Sandra Corveloni,
Marcos Breda, Laila Zaid, Bianca Comparato, Bruno Torres, Daniel Passi, Sérgio
Dalcin, Conrado Godoy, Nathalia Lima Verde, Ibsen Perucci, Edu Moraes, Olivia
Torres, Kotoe Karasawa, André de Carvalho, Leonardo Villas Braga, Victor
Carballar, Thiago Casado, Antonio Bento, Nicolau Villa-Lobos, Waldomiro Alves,
Natasha Stransky, Rene Machado, Kael Studart, Vitor Bonfá, Henrique Pires,
Maísa Lacerda, Paulo Wenceslau
Fotografia: Alexandre Ermel
Trilha Sonora: Carlos Trilha
Estreia: 03.05.2013
Duração: 104 min.
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