Depois de Lúcia



Exercício de Exasperação

O roteiro de Depois de Lúcia (México, 2012) é dividido estruturalmente em três atos que podem ser assim denominados: instalação, abuso e revanche. A seu modo cada um desses capítulos causa o incômodo pretendido, sendo o primeiro através da sensação de estranheza diante de um ambiente novo, o segundo por meio da estupefação perante o grau de sordidez atingido pelo homem e o terceiro pela tolerância com que compreendemos a necessidade de vingança.

Assim, por mais radical que se revelem os caminhos da narrativa, nada soa distante ou impossível de ocorrer na realidade de qualquer um, eis que no fundo reconhecemos o quão pequenos e baixos podemos vir a ser – sim, os atos de bullying aos quais é submetida a protagonista podem parecer exagerados para uns, impressão essa que é logo dissipada se lembrarmos que nosso próprio país já confirmou, através da tragédia do índio queimado vivo, que não há limite para a maldade.
No intuito de não estender a digressão e retornar, desta feita, a análise da obra, é imperioso dizer que Depois de Lúcia configura um exemplo de trabalho cinematográfico no qual se detecta sem esforços a excelência do roteiro – engana-se quem pensa que este é um filme centrado apenas no problema do bullying¹, pois é latente também, por exemplo, o questionamento sobre a inconsequência que marca uma geração tão acostumada com a exposição – e da direção, isso porque o cineasta Michel Franco potencializa a tensão de sua história com um número mínimo de recursos. Sua insistência, nesse sentido, em planos fixos e longos e a total ausência de música exasperam aflição dentro e fora da tela, culminando numa cena final impactante ao extremo que dificilmente sairá da mente do espectador.
Por fim, o naturalismo das atuações é outro fator de acerto da direção, no que se destaca a participação de Tessa Ia que, enquanto personagem principal, estampa em seu rosto transformações experimentadas por aquela que vão desde a forma aparentemente tranquila com que lida com o luto, até a lascívia advinda do início da vida sexual, bem como o cansaço acarretado por uma rotina de humilhações. Eis uma atriz bastante nova que enfrentou com êxito um papel dificílimo. Fiquemos de olho nela.
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1.  Sobre as muitas trilhas percorridas pelo script de Depois de Lúcia, Juan Pablo Villalobos ressalta que: “O mais simples seria dizer que estamos diante de uma obra sobre assédio escolar [...]. No entanto, o longa se revela muito mais do que isso. [...] O resultado é uma narrativa tensa do princípio ao fim, que produz uma sensação permanente de angústia. Um drama que ameaça virar thriller, mas que não o faz porque nunca abdica de privilegiar sua vocação intimista” (Revista Bravo. Ed. 187. São Paulo; Abril, Março de 2013. p. 38). Por seu turno, Suzana Uchôa Itiberê esclarece que o filme “é um drama familiar contemporâneo que fala de perda, carência, romance e violência sem obviedades, e com certa crueza” (Revista Preview. Ano 3. ed. 42. São Paulo: Sampa, Março de 2013. p.64).

FICHA TÉCNICA

Título Original: Después de Lucía
Direção e Roteiro: Michel Franco
Produção: Alexis Fridman, Billy Rovzar, Elias Menasse, Fernando Rovzar, Marco Polo Constandse, Michel Franco
Elenco: Gonzalo Vega Jr., Hernán Mendoza, Monica del Carmen, Tamara Yazbek, Tessa Ia
Fotografia: Chuy Chávez
Estreia no Brasil: 22.03.2013                Estreia Mundial: 03.10. 2012
Duração: 103 min.

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