Serra Pelada
Serra Cinematográfica
Serra Pelada (Brasil, 2013) é uma espécie de Cidade de Deus versão garimpo com ecos de Scarface, o que é bom na medida em que denota os méritos técnicos da
super-produção dirigida por Heitor Dhalia, entretanto, ruim, já que as
referências se impõem refletindo a carência do roteiro no que tange o
ineditismo.
A repetição de elementos
narrativos de outrora, de qualquer modo, não chega a ser um problema incontornável
e sim tolerável graças ao pulso firme de Dhalia que, após uma péssima passagem
pelo cinema americano, volta a ser o ótimo contador de histórias de ocasiões
pretéritas reunindo diversas colaborações valiosas num todo harmônico que em
momento algum peca pelo exagero – na verdade, o diretor opta por uma toada, sempre
quando possível, contida, poupando, assim, o grande público da sanguinolência explícita
que marcava aquela corrida pelo ouro.
Com efeito, Dhalia dribla
eventuais limitações de recursos necessários para a reprodução do formigueiro
humano que era o garimpo paraense mesclando imagens de arquivos com encenações
filmadas, via de regra, em planos pouco abertos. A estratégia, cabe reconhecer,
nem sempre funciona, pois, ao contrário, por exemplo, do chileno No que utilizara um mesmo formato de
vídeo em toda sua duração para, desta feita, borrar a diferença entre o real e
o fake, essa distinção se mostra
sempre evidente no título nacional, afinal, o trabalho de fotografia é visível
para a plateia em razão da paleta de tons quentes e da iluminação levemente
estourada que conferem as sequências um quê cinematográfico estranho ao
material audiovisual vindo de arquivos.
Tal como a linha narrativa do
filme possui lados positivo e negativo, se por um lado a direção de fotografia
apresenta o incômodo viés da diferenciação entre o que fora ou não feito para o
cinema, por outro lado, o mesmo elemento técnico possui o mérito de emular
características climáticas, geográficas e culturais de uma região durante a
década de 80, êxito esse que se estende a direção de arte, aos figurinos e,
especialmente, a trilha musical. Neste passo, Serra Pelada apresenta um curioso apanhado do cancioneiro popular que
embalava o interior do Pará naquele período, seleção esta que, dada a forma
precisa com a qual é utilizada, se transforma num poderoso recurso (extra)diegético.
Quanto ao elenco Juliano Cazarré,
embora não seja uma escolha brilhante, não chega a comprometer e, o que é mais importante,
revela uma indiscutível química com sua parceira de cena Sophie Charlotte a
qual, por seu turno, faz uma arrebatadora estreia no cinema através de uma
atuação despudorada e corajosa, distante anos-luz dos inexpressivos papeis televisivos
por ela assumidos. Na pele de uma (ex)prostituta a atriz exala sensualidade e
aflição, estabelecendo para si um padrão alto de qualidade que desde já
desperta curiosidade para o que virá no futuro em sua filmografia. De volta a
ala masculina, quem brilha são aqueles que interpretam os seres exclusivamente maus,
quais sejam Matheus Nachtergaele e Wagner Moura. Assim como seu personagem Cenoura
em Cidade de Deus, Matheus interpreta
um chefão que sucumbe perante as rotineiras batalhas de poder, compondo aqui um
tipo asqueroso e vil. Por último, Wagner Moura rouba para si considerável
atenção pelo filme, acrescentando mais um desempenho inesquecível a galeria de figuras
memoráveis por ele vivificadas. Seu negociante Lindo Rico é quase surreal
tamanha a rapidez e frieza com que transita da paciência para a brutalidade,
valendo-se o ator, para tanto, de trejeitos sutis e marcantes que tornam seu
personagem impressionante porque assustador, o que para Serra Pelada e, principalmente, para Moura representa um trunfo
inigualável.
Lamentavelmente, contudo, tanto
Nachtergaele quanto Moura, não obstante suas fabulosas interpretações, dispõem
de pouquíssimo tempo em tela. Eis o caso em que uma eventual versão do diretor,
desde que mais longa, seria muito bem-vinda até para, quem sabe, vermos uma
obra mais explicitamente compromissada com a “boa e velha ultra-violência” de Serra Pelada.
FICHA
TÉCNICA
Direção: Heitor
Dhalia
Roteiro: Heitor Dhalia, Vera Egito
Produção:
Heitor Dhalia, Wagner Moura, José Alvarenga Jr.
Elenco: Juliano Cazarré, Sophie Charlotte, Wagner
Moura, Matheus Nachtergaele, Júlio Andrade, Lyu Arisson, Jesuíta Barbosa
Fotografia: Ricardo Della Rosa
Estreia no Brasil: 18.10.13
Duração: 100 min.
Merecido destaque cinematográfico a essa importante página de nossa história. Ainda não vi, mas estou na expectativa.
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