12 Anos de Escravidão
Gosto
Amargo
12 Anos de Escravidão (EUA/Reino Unido, 2013) não se propõe a
inventar a roda. Sua narrativa, na verdade, em muito lembra outras histórias de
sofrimento escravo como A Cor Púrpura e Amistad (EUA, 1997). Em virtude dessa
curiosa aproximação com títulos dirigidos por Steven Spielberg, há quem possa
compreender que se trate esta de uma produção deliberadamente articulada para
amealhar plateias e prêmios, tendo em vista seu enredo de forte apelo
humanitário. O certo é que em se tratando do artista plástico e cineasta Steve
McQueen – cuja anterior realização fora simplesmente Shame¹ (Reino Unido, 2011), obra essa que conseguira a proeza de
apresentar o mesmo vigor e criatividade tanto no conteúdo da narrativa quanto
em sua estruturação imagética – soa por vezes estranho o quanto que, na maior
parte do tempo, seu trabalho dessa vez comunga do cinema clássico sem a dose
cavalar de arrojo estético outrora vista.
Talvez tenha pesado para o diretor
a sensação de responsabilidade ante a missão de filmar um exemplo verídico das
agruras experimentadas por sua raça negra principalmente durante o período da
escravidão. Assim, McQueen dirige com um pé no freio não conseguindo, desta
feita, mostrar sua assinatura em cada frame da obra. Contudo, nos momentos em que
decide projetar a força de seu cinema, o diretor empata a corrida e conclui um filme
que pode não ser brilhante em seu todo, mas que é, frise-se, excepcional em
determinados capítulos nos quais a crueldade branca e/ou o sofrimento negro dão
o tom inflando de angústia quem os assiste. Em tais sequências vê-se uma edição
de pouquíssimos cortes e uma câmera ora percorre cada centímetro dos corpos
açoitados e dos rostos em lágrimas ora sugere a dor mediante os ganidos de uns
e a conformidade em profundidade de campo de outros.
É claro que o êxito de tais cenas
em muito se deve a poderosa trilha musical de Hans Zimmer e a presença de atores
soberbos seja de um lado exalando tirania – no que se incluem Michael
Fassbender², Sarah Paulson e Paul Giamatti – seja, do outro lado, vivificando
todo o sofrimento e humilhação de seres humanos segregados pela cor – destaque,
neste sentido, para dupla formada pela oscarizada Lupita Nyong’o e por Chiwetel Ejiofor o qual, na pele do protagonista Solomon Northup,
se supera cada minuto, coroando o longa-metragem, ao término, com a tocante
ilustração do reencontro de seu personagem com a família da qual fora separado
por mais de uma década.
Mesmo com suas oscilações, 12 Anos de Escravidão é aquele tipo de
filme que deixa um salutar gosto amargo no espectador. E nem poderia ser diferente
considerando que a realidade preconceituosa retratada ainda hoje vigora por
todo o mundo e, sobretudo, no Brasil, país onde negros são cotidianamente hostilizados em razão da
cor. Fatos degradantes do passado, como os vistos em 12 Anos, quando repetidos séculos depois comprovam que o homem é
realmente um projeto que não deu certo.
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1.Leia mais sobre Shame em http://setimacritica.blogspot.com.br/2012/08/shame.html
2.Michael Fassbender está se firmando
como o injustiçado da vez, eis que tal qual sua brilhante atuação em Shame fora ignorada na temporada de
premiações de 2013, no ano seguinte o ator acabou sendo novamente deixado de
lado em virtude da superestimada participação de Jared Leto em Clube de Compras Dallas.
Ficha Técnica
Título Original: 12 Years a Slave
Direção: Steve
McQueen
Produção: Steve McQueen, Brad Pitt, Jeremy Kleiner, Anthony
Katagas, Dede Gardner, Bill Pohlad, Arnon Milchan
Roteiro: John Ridley
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Brad Pitt, Alfre
Woodard, Sarah Paulson, Paul Dano, Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch, Lupita
Nyong’o, Quvenzhané Wallis, Bryan Batt
Fotografia: Sean Bobbitt Trilha Sonora: Hans Zimmer
Estreia no Brasil: 21.02.2014 Estreia Mundial: 18.10.13
Duração: 134 min.
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