Dançando no Escuro
Subversão Mor
Não
é errado concluir que a grande satisfação de Lars Von Trier enquanto cineasta e
roteirista consiste em subverter os mais populares gêneros e estilos
cinematográficos sobretudo hollywoodianos; afinal, o dinamarquês se
especializou em atribuir uma peculiar estranheza, uma assinatura própria a
formatos consagrados como os filmes de guerra (Europa), de terror (Anticristo),
apocalípticos (Melancolia) e eróticos
(Ninfomaníaca), além de emular as
produções comumente chamadas de teatro filmado (Dogville), bem como os faroestes (roteiro de Querida Wendy).
Dentro
deste contexto, Dançando no Escuro
(Dinamarca/Suécia/França/Alemanha/EUA/Noruega/Holanda/Finlândia/Argentina/Espanha/Itália/Reino
Unido/Islândia, 2000) é o título de maior destaque dentre os exercícios de
subversão praticados pelo diretor. Voltado a um gênero caro ao cinema clássico,
qual seja o musical, o longa-metragem – laureado com a Palma de Ouro em Cannes
– é o mais cruel, duro e devastador exemplar do segmento na medida em que apresenta
uma sucessão de tragédias permeadas pelos mais mesquinhos e devassos atos que o
ser humano é capaz de cometer.
Com efeito, Björk atropela
qualquer expectativa negativa acerca de seus dotes dramáticos e entrega uma
performance linda e sofrida conforme exigido por seu papel: uma mulher que, prestes
a perder a visão, faz tudo o que está ao alcance para garantir o futuro e a
saúde do filho. Apaixonada por música, dança, teatro e cinema a personagem se
refugia num mundo imaginário onde as cores são vivazes, a compreensão reina e a
vida é tão bela quanto qualquer um dos musicais de Hollywood. Sua realidade,
contudo, equivale a uma paleta cinzenta, possuindo pouquíssima música e raros
momentos de solidariedade alheia.
Em meio a esse universo fílmico
pode soar estranho que um ícone como Catherine Deneuve
resulte tão pouco aproveitada pela trama, sensação essa que, entretanto, é logo
dissipada quando confrontada pelo senso de coerência da narrativa, isso porque
a personagem da francesa representa a bondade, a amizade, valores cujos espaços
são diminuídos sobremaneira pela perversão e pelo mal. Para Von Trier não há na
atualidade lugar para o bem, saltando aos olhos, por conseguinte, sua
criatividade para imaginar quantidade tão considerável de infortúnios e injustiças
experimentados por uma só pessoa.
Aliás, a protagonista de Björk se
revela ascendente inegável da também hipersofredora interpretada por Nicole
Kidman em Dogville (2003), ao passo
em que ambas são vítimas da sociedade, brutalizadas e vilipendiadas pelo homem em
meio a cotidiana batalha pela sobrevivência. Neste passo, ainda que tais
jornadas possam parecer exageradas no bojo de uma simples sinopse, na tela, em
nenhum dos títulos, a baixeza da espécie humana soa absurda, uma vez que
emanada de textos exemplares, filmados, por sua vez, com invejável rigor
estético ou, em poucas palavras, porque mostradas pela ótica de Lars Von Trier.
FICHA
TÉCNICA
Título
Original: Dancer in the Dark
Direção
e Roteiro: Lars von Trier
Produção: Vibeke
Windeløv
Elenco: David Morse, Björk, Catherine Deneuve, Cara Seymour, Andrew Lucre, Udo
Kier, Peter Stormare, Vladan Kostig, Stellan Skarsgard, Jean-Marc Barr, Paprika
Steen, Joel Grey, Jens Albinus
Fotografia: Robby Müller
Música: Björk
Estreia no Brasil: 12.10.00 Estreia Mundial: 17.05.00
Duração: 140 min.
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