Em Busca de Iara
Em
Busca de Quem?
São cada vez mais numerosos os
realizadores que se valem do documentário subjetivo para exorcizar dores do
passado que lhes afligem diretamente ou indiretamente. Até aí nenhum problema
há, desde que, por óbvio, o ego de quem está por trás do processo não interfira
em demasia na análise que se pretende produzir.
No caso de Em Busca de Iara (Brasil, 2013) o diretor assim creditado é Flávio Frederico,
entretanto é Mariana Pamplona – sobrinha de Iara
Iavelberg, guerrilheira que nos anos de chumbo ficara conhecida pela parceria
com Carlos Lamarca – que, além de assinar o ‘roteiro’, parece assumir a função
de diretora e produtora frente as câmeras seja comandando entrevistas, seja
realizando contatos e pesquisas. Neste passo, chega a ser curioso como Pamplona
e os técnicos de som e de iluminação são frequentemente mostrados nos planos da
filmados – numa apropriação um tanto vazia do método de Eduardo Coutinho –, porém
o diretor Frederico, exceto por uma breve cena na qual seu reflexo é visto num
pequeno espelho, jamais aparece na tela, o que, por certo, deve ter como explicação
a tentativa de agregar a obra outro personagem real, qual seja a própria Mariana, enquanto artista empenhada em levar para os cinemas a
história de sua tia, daí talvez Frederico não aparecer no comando do set para,
assim, não confundir o espectador no que tange os papeis por cada um defendidos.
Destarte, o que se
vê é a jornada de Iara em paralelo a caminhada de sua sobrinha seja para realizar
um documentário, seja para encontrar respostas que por vezes parecem já tecidas
por ela antes mesmo do término da apuração dos fatos. Explique-se: é claro que
a versão oficial dada para a morte de Iara soa falsa por um sem número de
motivos elencados pelo longa-metragem, contudo, Mariana Pamplona tropeça em sua
própria falta de isenção de ânimo e, no momento mais crucial do filme e de sua
investigação, comete o grave equívoco de durante a entrevista realizada com o
médico responsável pela autópsia de sua tia adiantar seu julgamento particular
e afirmar não restar dúvida de que ao invés de suicídio o que ocorrera fora um
assassinato, caracterizando, desta feita, o trabalho de pesquisa com uma pecha de
amadorismo¹.
Não fosse o
bastante, uma sequência posterior seria tocante em virtude do choro angustiado
de uma das pessoas que testemunharam a repressão do governo militar, mas
termina ridícula ao mostrar Mariana enxugando algumas poucas lágrimas do rosto.
Eis o tipo de apelo que soa, no mínimo, desnecessário, visto que nenhum
espectador precisa ser convidado a conhecer o que é a dor da perda de um quente
querido por ser esta uma experiência comum na vida de todos. Dentro deste
contexto, é o estado d’alma de cada um e a forma como o mesmo é transposto em
imagens que revela o talento de um cineasta, coisa que, convenhamos, não se
atesta num take de alguém se
limitando a limpar o rosto.
Na verdade, Em Busca de Iara nem mesmo deveria se debruçar
sobre a figura da sobrinha roteirista, afinal a figura de Iara já é rica o
bastante em termos narrativos, daí que em muito a produção ganharia caso se
limitasse a procurar compreender melhor quem fora Iara bem como a estudar mais a
fundo seu relacionamento com Lamarca. Como tal exclusividade não fora garantida
optando-se também por tratar os efeitos da morte de Iara na vida de Mariana,
correto seria que Elena (Brasil, 2012)
de Petra Costa fosse lembrado como
inspiração, já que a cineasta utilizara um caminho inverso no qual buscara, sobretudo,
conhecer mais sua irmã e os motivos que a levaram a se suicidar, tratando
apenas num plano secundário o quanto tal tragédia afetara seu amadurecimento. Aliás,
o trabalho de Flávio Frederico e Mariana Pamplona é diferente se comparado ao de Petra Costa na medida em que
Mariana parece se enamorar de sua própria imagem concorrendo na tela com Iara
Iavelberg ao ponto de, pasmem, o filme que deveria ser sobre esta
última terminar com uma imagem de sua sobrinha quando criança.
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1. Não obstante as
derrapadas dadas pelo documentário durante suas pesquisas, os resultados das
investigações não podem ser rechaçados porque “em 2003, uma ação judicial determinou a exumação do corpo [...]. A
conclusão do novo laudo, assinado pelo legista Daniel Munhoz, da USP, apontou
que o tiro que causou a morte da militante fora dado a uma distância
incompatível com o suicídio, abrindo espaço à tese de uma execução” (FONTE:
http://glo.bo/1htM5Ic. Acesso em 13.06.14).
FICHA TÉCNICA
Direção: FLAVIO FREDERICO
Roteiro: MARIANA PAMPLONA
Produção: FLAVIO FREDERICO,
MARIANA PAMPLONA
Fotografia: CARLOS ANDRÉ
ZALASIK
Montagem: VÍTOR ALVES
LOPES, FLAVIO FREDERICO
Música: JONAS TATIT
Duração: 91 min.
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